Friday 27 September 2013

Tabelas sobre os juízes

Uma leitura rápida do livro de Juízes esconde o fato de que a metade dos trezentos e noventa anos descritos no livro se encontra no começo do cap. 6, quando começa a história de Gideão. O Espírito Santo, que inspirou quem escreveu o livro, gasta muito mais tempo falando dos últimos dois séculos do que dos primeiros dois (para cada página que descreve a primeira etapa, são usadas mais do que quatro para descrever a segunda!).



O relato cronológico dos juízes começa no cap. 3 com a invasão feita pelo rei da Mesopotâmia, Cusã-Risataim, e termina no final do cap. 16, ainda dentro dos quarenta anos da opressão dos filisteus nos dias de Sansão. Da invasão de Cusã até o final do período de paz quando Débora e Baraque julgavam, são duzentos e seis anos, e da invasão dos midianitas (ca.p 6) até o final da opressão dos filisteus são cento e oitenta e quatro anos (o segundo período sendo um pouco menor do que o primeiro).
É interessante ver as semelhanças e contrastes entre estes dois períodos históricos. Até o cap. 6 lemos de três períodos em que Israel foi invadido por nações estrangeiras (Mesopotâmia, Moabe e Hazor), intercalados com períodos de paz, e até o final do livro encontramos mais três períodos em que Israel é dominada por nações estrangeiras (Midiã, Amom e os Filisteus), novamente intercalados com períodos de paz.
As três nações opressoras da primeira metade do livro (Mesopotâmia, Moabe e Hazor) tem semelhanças impressionantes com as três da segunda metade (Midiã, Amom e os Filisteus), semelhanças que são destacadas no mapa abaixo:
  • As duas primeiras em cada lista são nações que não tem fronteira com Israel, e que distam centenas de quilômetros da terra prometida. A Mesopotâmia é o lugar de onde Abraão foi chamado por Deus. Ficava ao oriente do Jordão, e sua capital, Ur, ficava cerca de mil km de Jerusalém. Quanto a Midiã, não temos tanta certeza da sua localização. Sabemos, de Gn 25:1-6, que Abraão enviou seu filho Midiã (o progenitor desta nação) “ao oriente, para a terra oriental” (isto é, de volta para a Mesopotâmia, ou pelo menos na direção dela). A localização de Midiã que é normalmente aceita pelos estudiosos é no norte da península Arábica, em torno de trezentos km de Jerusalém.
  • As duas nações opressoras que ocupam o segundo lugar em cada parte do livro (Moabe e Amon) são nações irmãs (Moabe a Amon foram os dois filhos que Ló teve com suas duas filhas), e vizinhas. Ambas fazem fronteira com Israel ao lado oriental, os amonitas ao Norte dos moabitas.
  • Já as duas nações que ocupam o último lugar nas duas listas são nações que ainda não haviam sido completamente expulsas de Canaã, e moravam dentro dos termos da terra prometida: Jabim governava sobre Hazor, no Norte de Canaã, e os filisteus habitavam no Sul da terra prometida.

Ou seja, Deus está claramente repetindo, na segunda metade do período dos Juízes, o padrão apresentado na primeira metade (assim como a segunda parte do livro, dos caps. 17 a 21, que não é cronológica, vai narrar duas histórias diferentes, mas que contém muitas semelhanças entre si). Os primeiros três opressores são nações que estão cada vez mais perto de Israel (o primeiro é muito distante, o segundo é vizinho de Israel, o terceiro mora dentro de Canaã). Os outros três opressores mencionados no livro seguem exatamente o mesmo padrão: muito distante, vizinho, inimigo interno.
Há outras semelhanças entre os dois períodos dos Juízes, como o fato de que em ambas as partes, Deus nos mostra como é que o último libertador foi levantado por Deus: Ele enviou uma mensagem profética para Baraque, e veio pessoalmente (como o Anjo do Senhor) no caso de Sansão.
Mas igualmente instrutivos são os contrastes entre as duas partes, começando com o espaço que o Espírito Santo usa neste livro para descrever cada etapa: a segunda parte ocupa um espaço mais de quatro vezes maior do que a primeira parte. Só o relato da vida de Gideão, ou o da vida de Sansão, qualquer um deles sozinho ocupa mais espaço do que todo o relato da primeira parte deste período.
Há uma diferença importante também na relação entre o número de anos de opressão e de paz. Se na primeira parte temos cento e sessenta anos de paz (quarenta, depois oitenta, depois quarenta novamente) e quarenta e seis de opressão, no segundo são apenas cento e dezesseis anos de paz para sessenta e cinco anos de opressão. Na primeira parte, houve aproximadamente três anos e meio de paz para cada ano de opressão, mas na segunda parte do livro esta relação cai para menos de dois anos paz para cada ano de opressão.

Não somente isto, mas nesta segunda metade do período aparece uma desordem que esteve ausente na primeira metade. Os três períodos de paz da primeira etapa são similares: quarenta anos, depois oitenta anos (duas vezes quarenta), depois mais quarenta. Na segunda etapa, porém, além do tempo de paz ser menor, não há nenhuma ordem. Temos somente dois períodos consecutivos sem opressão de outras nações: o primeiro durou oitenta e cinco anos (subdivididos em quarenta, vinte e três e vinte, e dois anos), e o segundo durou apenas trinta e um anos (subdivididos em seis, sete, dez, e oito anos).
E o pior: o primeiro período de paz nesta segunda etapa é cortado quase no meio por três anos de opressão debaixo de Abimeleque — não sofrendo nas mãos de uma nação estrangeira, mas devido a uma guerra civil (Israelitas matando Israelitas).
Estes detalhes, que as tabelas abaixo ilustram, destacam a mensagem claramente apresentada no livro, que o povo de Israel está se afastando mais e mais do Senhor. O segundo período mostra uma época moralmente muito inferior à primeira (assim como todas as segundas epístolas do Novo Testamento falam de apostasia e dos últimos tempos). A Palavra de Deus nos alerta, mais uma vez, quanto à nossa tendência para descer, para afastar do Senhor. Precisamos fazer um esforço para crescer no conhecimento de Deus, mas o afastamento vem naturalmente. Nossa tendência é sempre para baixo; a correnteza nos leva sempre para longe de Deus!
Os contrastes entre os dois períodos apresentados no livro dos Juízes mostram ainda outra lição, muito preciosa. Lemos do Anjo do Senhor em quatro ocasiões distintas neste livro, duas vezes antes de Gideão, e duas vezes depois. As duas primeiras menções não estão diretamente relacionados com os Juízes: lemos do Anjo do Senhor repreendendo o povo logo no início do livro (2:1), e depois uma referência poética feita por Débora e Baraque no seu cântico (5:23). É somente na segunda parte do livro, quando o povo está mais longe de Deus, que o Anjo do Senhor (Deus mesmo, revelando-Se na Pessoa do Senhor Jesus Cristo) aparece agindo na vida dos juízes. Deus ilustra, assim, um princípio lindo ensinado no Novo Testamento: “Se nós formos inféis, Ele permanece fiel” (II Tm 2:13). Quando o Seu povo esfria na sua fé, Deus continua trabalhando para restaurá-los.
Espero que as tabelas e o mapa ajudem a visualizar estas coisas (versão em alta-resolução aqui). Dúvidas ou sugestões nos comentários serão bem-vindas.





© W. J. Watterson

Monday 23 September 2013

Fatos e mitos sobre o lenço dobrado no túmulo do Senhor Jesus

Circula na Internet, desde aproximadamente 2007, uma história que eu gostaria que fosse verdadeira. Ela traz uma explicação extremamente interessante e instrutiva para um pequeno detalhe mencionado no Evangelho de João, citando uma suposta antiga tradição hebraica como fonte, e nos informando que o “lenço dobrado” era uma forma muito clara do Senhor Jesus dizer: “Eu voltarei!”

Não tenho duvida nenhuma de que a aplicação (isto é, a volta iminente do Senhor Jesus) é absolutamente bíblica e verdadeira. Não tenho dúvida nenhuma da sinceridade das pessoas que estão repassando esta história. E repito: eu gostaria que a “tradição hebraica” citada na história fosse verdadeira. Infelizmente, porém, não existe nenhuma indicação confiável de que tal tradição jamais existiu.

A história

Bem, comecemos pelo começo! A suposta tradição judaica é explicada da seguinte forma:
O lenço dobrado tem a ver com o Amo e o Servo, e todo menino Judeu conhecia essa tradição. Quando o Servo colocava a mesa de jantar para o seu Amo, ele buscava ter certeza em fazê-lo exatamente da maneira que seu Amo queria. A mesa era colocada ao gosto de seu Amo e, o Servo esperava fora da visão Dele, até que o mesmo terminasse a refeição. O Servo não podia se atrever nunca, a tocar na mesa antes que o Amo tivesse terminado a sua refeição. Diz a tradição que ao terminar a refeição, o Amo se levantava, limpava os dedos, a boca, a sua barba, e embolava o lenço e o jogava sobre a mesa. Naquele tempo o lenço embolado queria dizer: "Eu terminei". No entanto, se o Amo se levantasse e deixasse o lenço dobrado ao lado do prato, o Servo jamais ousaria tocar na mesa porque, o lenço dobrado queria dizer: "Eu voltarei!".
Pesquisando a expressão “lenço dobrado no tumulo de jesus” (no Google em 23 de Setembro de 2013), os primeiros doze resultados (de aproximadamente 19.300) contém um vídeo (com duração de 26 minutos, que não ouvi), dois textos questionando esta suposta tradição (nos blogs Rocha Ferida e A Tenda na Rocha), e nove textos repetindo-a. Um detalhe: destes nove textos, sete são uma cópia palavra por palavra um do outro (não sei quem é a fonte), e os outros dois, apesar de acrescentarem algumas observações no decorrer no seu texto, também citam a tradição exatamente da mesma forma.

O problema

Apesar da multiplicidade de relatos, ninguém consegue apresentar nenhuma citação antiga que comprove esta “tradição hebraica”. Todos os nove textos citados acima, que defendem esta tradição, usam a expressão: “todo menino Judeu conhecia essa tradição” (alguns trocam o “essa tradição” por “a tradição”, e um blog diz: “todos até um menino Judeu conhecia [sic] esta tradição”). Todos afirmam que a tradição era bem conhecida, mas nenhum deles informa uma fonte antiga que confirma isto. Se era uma tradição hebraica bem conhecida, onde descobrimos isto? Existe alguma fonte judaica que confirme esta tradição antiga?

O blog Rocha Ferida, citado acima, cita a opinião da Profª Aila, do fórum CATES (um centro dedicado “ao ensino e ao estudo das Escrituras em seu contexto original ... por meio de professores, rabinos, teólogos e líderes da Igreja no Brasil, nos Estados Unidos, na Europa e em Israel”), afirmando que “não há nada na cultura judaica sobre tal história de guardanapo embolado ou dobrado”.

O site “Truth or Fiction” (um site bem conceituado na Internet, que se dedica a pesquisar e confirmar, ou desmentir, histórias que circulam por meios eletrônicos), afirma que não há registros desta história antes de 2007, e que um rabino consultado por eles (alguém que é rabino ortodoxo, estudioso judaico, e que mora em Jerusalém) afirmou que nunca ouviu falar desta tradição judaica!

Conclusão

Devido à completa falta de comprovação história, e algumas afirmações de estudiosos da história judaica, não posso crer nesta suposta tradição hebraica. Repito o que disse na introdução: confio na honestidade de quem promove a história, concordo com a aplicação feita (a volta iminente do Senhor Jesus Cristo) e gostaria que a tradição citada fosse verdadeira. Mas devemos ter um compromisso com a verdade, não com aquilo que nos agrada.

Tudo o que escrevi acima não quer dizer que desconsidero a importância deste detalhe nas Escrituras. O texto que circula na Internet usa a seguinte expressão: “A Bíblia reserva um versículo inteiro para nos contar que o lenço fora dobrado cuidadosamente e colocado na cabeceira do túmulo de pedra”, sugerindo que o detalhe é importante. Concordo plenamente com esta sugestão, e defendo categoricamente a importância de prestarmos atenção em todos os detalhes revelados na Bíblia, crendo que ela não contém nenhum palavra supérflua. Sendo assim, certamente há uma razão importante para o Espírito Santo ter levado João a acrescentar este detalhe, mas creio que esta razão está mais relacionada com a prova que Pedro e João tiveram da ressurreição do Senhor (se alguém tivesse roubado o corpo, não teria tido cuidado de dobrar o lenço à parte) do que com qualquer mensagem em código sobre a volta do Senhor (algo que Ele sempre anunciou com toda a clareza).

Não me agrada desmentir algo que me agrada; mas espero que este texto sirva para ajudar alguém.



© W. J. Watterson

Dois detalhes sobre Isaías 53

Isaías 53 contém o quarto Cântico do Servo (que inclui os últimos três versículos do cap. 52). Qual seria o centro deste Cântico?