Thursday, 8 May 2014

Assíndeto e Polissíndeto

Da série “Figuras de linguagem na Bíblia”. Se desejar, leia primeiro a Introdução a esta série de artigos.

Introdução

As duas figuras que servem de título para este artigo merecem ser consideradas juntas, pois uma complementa a outra. A primeira (assíndeto) pertence ao grupo de figuras elípticas (caracterizadas por omissão), e a segunda (polissíndeto) ao grupo das figuras pleonásticas (caracterizadas por acréscimo).

Entre as muitas ocorrências destas figuras na Bíblia, uma se destaca: nosso Senhor usou ambas numa mesma ocasião, poucos minutos uma da outra, e relacionadas ao mesmo grupo de quatro palavras, na mesma ordem.

Comecemos, porém, definindo as figuras e tentando entender seu significado (isto é, por que são usadas).

Definindo as figuras

O dicionário Priberam dá as seguintes definições:

  • Assíndeto: “Supressão das conjunções coordenativas entre frases ou entre partes da oração e da frase”;
  • Polissíndeto: “Repetição da mesma conjunção em frases ou constituintes seguidos”.

“Assíndeto” quer dizer, basicamente, “nenhuma conjunção” (“a” + “síndeto”), e “polissíndeto”, “muitas conjunções” (“poli” + “síndeto”).

Gramaticalmente, a forma normal de se apresentar uma lista de palavras é separá-las com vírgulas, usando a conjunção “e” somente antes da última palavra na lista. Por exemplo, na frase: “Três palavras que descrevem os tipos de figuras de linguagem são: omissão, acréscimo e alteração”, temos a forma normal de se escrever. Se usássemos a figura assíndeto, escreveríamos: “Três palavras que descrevem os tipos de figuras de linguagem são: omissão, acréscimo, alteração”, e com polissíndeto teríamos: “Três palavras que descrevem os tipos de figuras de linguagem são: omissão e acréscimo e alteração”.

Descrevendo suas finalidades

Não é difícil entender a diferença entre assíndeto e polissíndeto — mas qual a finalidade destas duas figuras de linguagem? Se pretendo desviar da norma padrão e usar um assíndeto ou polissíndeto, o que ganharei com isso?

Podemos resumir as três formas de se apresentar uma lista de palavras da seguinte forma:

  • A forma comum — Se queremos simplesmente apresentar os elementos que compõe uma lista, sem nenhum destaque ou ênfase especial, escrevemos como no primeiro exemplo dado na seção anterior (separando os elementos por vírgulas, e acrescentando a conjunção “e” antes do último elemento).
  • Assíndeto — Se queremos dar destaque ao quadro geral apresentado pela lista, mais do que aos elementos individuais que compõe a lista, omitimos as conjunções. Assim o leitor não tem sua atenção distraída pelas muitas conjunções, e caminha mais apressadamente para o final da lista, onde poderá haver uma conclusão que o autor deseja destacar mais do que os elementos individuais da lista.
  • Polissíndeto — Por outro lado, talvez o autor deseja destacar os elementos individuais que compõe a lista, mais do que o quadro geral. Neste caso, ele recorre ao polissíndeto. Ao encontrar a conjunção “e” repetida para cada palavra da lista, o leitor lê mais pausadamente, e dá mais atenção a cada uma das palavras individuais.

Resumindo: o assíndeto destaca a lista (o quadro geral), o polissíndeto destaca os elementos que compõe a lista.

É isto que dizem os gramáticos. Devo confessar que no meu dia-a-dia tal distinção é insignificante, e muitos que leem este pequeno artigo provavelmente estão na mesma situação que eu: falamos e escrevemos sem nos preocuparmos com estes pequenos detalhes. Mas os que entendem de gramática reconhecem a validade das figuras, e creio que o Espírito Santo, na perfeição da Sua sabedoria divina, teria também prestado atenção a este detalhe ao escrever a Bíblia. Se você encontrar um assíndeto ou polissíndeto neste blog, pode ser mera coincidência, ou pode ser que usei a figura num lugar inapropriado; mas encontrando uma destas figuras na Bíblia, você pode ter certeza de que ela está lá com um propósito específico, e que devemos prestar atenção à figura.

Destacando as figuras

Como mencionei acima, a Bíblia contém um exemplo impressionante de nosso Senhor usando estas duas figuras numa mesma ocasião. Em Lucas 14:1-24 o Senhor está na casa de um dos principais dos fariseus, e diz: “Chama os pobres, aleijados, mancos, cegos” (v. 13). Poucos versículos adiante, Ele diz: “Traze aqui os pobres e aleijados e mancos e cegos” (v. 21).

O parágrafo acima contém a tradução literal dos dois versículos — as versões em português, infelizmente, não preservam as figuras usadas no grego nestes versículos. No original, a lista do v. 13 não contém nenhuma conjunção, enquanto que a lista do v. 21 usa a conjunção entre todas as palavras da lista.

Repare bem esta diferença. Na mesma ocasião (na casa de um dos principais dos fariseus) o Senhor Jesus apresenta, duas vezes, uma lista contendo exatamente os mesmos quatro adjetivos (“pobres, aleijados, mancos, cegos”), e na mesma ordem. Na primeira vez, porém, Ele não usa nenhuma vez a conjunção “e” (assíndeto), enquanto que na segunda vez, Ele usa a conjunção entre todas as palavras (polissíndeto).

A mesma lista, no mesmo lugar, para as mesmas pessoas, poucos minutos uma após a outra — mas apresentadas de forma diferente! A única coisa que mudou entre o v. 13 e o v. 21 é o contexto, por isso a importância de percebermos a figura de linguagem usada.

Na primeira vez que apresenta a lista, sem conjunções, o Senhor está apresentando um princípio para o nosso serviço; na segunda vez, apresentando a mesma lista, porém com todas as conjunções, o Senhor apresenta uma parábola sobre a nossa salvação.

Um princípio para o serviço

Nos vs. 7-14, a ênfase do Senhor Jesus é num princípio que deve governar a nossa vida e o nosso serviço para Ele. Este princípio é resumido no v. 11: “Qualquer que a si mesmo se exaltar será humilhado, e aquele que a si mesmo se humilhar será exaltado”. Este princípio geral é aplicado a duas situações diferentes: a alguém que é convidado, e a alguém que convida. O trecho apresenta um quiasma (outra figura de linguagem muito usada na Bíblia):
  • O princípio aplicado a quem é convidado (vs. 7-10)
    • O princípio apresentado (v. 11)
  • O princípio aplicado a quem convida (vs. 12-14)
Qualquer que seja a nossa situação, o princípio que deve nos guiar é o mesmo: não procurarmos recompensa, nem riquezas, nem glória aqui na Terra, mas ocuparmos o último lugar, esperando que Deus, na glória futura, nos recompensará.

Assim, na lista apresentada no v. 13, o Senhor não quer dar destaque a cada um dos quatro tipos de pessoas necessitadas que Ele menciona. A lição principal não é que, ao dar uma festa, preciso convidar uma pessoa pobre, outra aleijada, outra manca, e outra cega. O Senhor não usa as conjunções, de sorte que passamos rapidamente pela lista, e chegamos logo à conclusão: “Quando fizeres convite, chamas os pobres, aleijados, mancos, cegos, e serás bem-aventurado”. O Senhor está nos mostrando que devemos convidar pessoas que não podem nos recompensar (das quais os quatro tipos da lista são apenas um exemplo), sabendo que “na ressurreição dos justos” seremos recompensados. Não são apenas os pobres, aleijados, mancos, cegos que devemos convidar, mas qualquer um que não tenha condições de nos recompensar. É claro que podemos convidar outros também, mas o verdadeiro cristão terá prazer em ajudar aqueles que não podem retribuir o favor, e não simplesmente ajudar querendo alguma coisa em troca.

É assim que agimos?

Uma parábola sobre a salvação

Na parábola apresentada nos v. 15-24, temos uma figura da salvação, num contexto dispensacional. A parábola fala de dois convites bem distintos, e entre estes dois convites há quatro diferenças importantes:

  • O tempo dos convites: o segundo foi feito somente depois que o primeiro foi recusado;
  • O tipo de convidado: primeiro foram pessoas nobres, depois os pobres, e aleijados, e mancos, e cegos;
  • Os termos do convite: o primeiro convite dizia: “Vinde”, mas na segunda vez o servo foi ordenado a trazer alguns;
  • O tratamento do convite: os primeiros recusaram, os segundos aceitaram.

É proveitoso contrastar esta parábola com a parábola semelhante registrada em Mt 22. Tanto lá quanto aqui encontramos a terceira de três parábolas contadas depois que os fariseus ficaram sem palavras. Compare a sequência dos acontecimentos:


Nas parábolas em si, há diversas diferenças importantes:


Parece que, em Mateus, a ênfase está naqueles que rejeitaram o convite e como o Senhor os trata (lemos dos homicidas sendo destruídos e das suas cidades sendo queimadas, e do homem sem veste nupcial sendo jogado fora), enquanto que aqui, a ênfase parece recair sobre aqueles que tomaram o lugar dos que rejeitaram (temos a descrição detalhada dos quatro tipos de pessoas convidadas na “segunda chamada”, e nenhuma menção da destruição dos primeiros). Ambas as parábolas falam de como Israel rejeitou o convite, e por isso os Gentios, indignos, foram convidados. Mateus destaca mais a rejeição de Israel, Lucas enfatiza o caráter indigno dos Gentios.

Comparando o ensino desta parábola com o que vimos na parte anterior, sobre o princípio que deve nos guiar em relação a convites, vemos como o Senhor também convida para a Sua ceia aqueles que não tem com que O recompensar.

Agora, repare como o polissíndeto usado pelo Senhor se encaixa perfeitamente neste contexto. O primeiro grupo de convidados, que representa Israel, é chamado somente de “convidados”. O segundo grupo, que representa os salvos desta dispensação, a Igreja, é descrito de quatro formas diferentes. Mas aqui o Senhor não omite as conjunções para nos ajudar a passar rapidamente por cima da lista; pelo contrário, Ele usa todas as conjunções possíveis, para nos forçar a caminhar lentamente por esta descrição triste, porém muito real, da nossa condição. Todos nós éramos, espiritualmente, pobres, e também aleijados (“mutilados”), e também mancos, e também cegos! Não são palavras genéricas que descrevem alguns de nós; todas elas se aplicam a todos nós antes da nossa conversão!

Meditando assim nos detalhes desta descrição, percebemos quanto ela combina com a realidade, e também quanto ela exalta o amor de Deus, que convidou para a Sua ceia pessoas pobres, e aleijadas, e mancas, e cegas! “Já sabeis a graça de nosso Senhor Jesus Cristo que, sendo rico, por amor de vós Se fez pobre; para que pela Sua pobreza enriquecêsseis” (II Co 8:9)

Descobrindo mais figuras

É impressionante ver como o Senhor mudou a forma de apresentar estas quatro classes de pessoas desprezadas, usando um polissíndeto poucos minutos depois de ter usado um assíndeto. As palavras não mudaram; os ouvintes eram os mesmos; a única coisa que mudou era o contexto. Na primeira ocasião o Senhor destaca as bênçãos daqueles que convidam os desprezados (não importa, realmente, que tipo de desprezado seja convidado), mas na segunda ocasião Ele enfatiza as características daqueles que Ele mesmo convidou. Na primeira lista não era necessário meditar nas qualidades específicas das pessoas (eram apenas alguns exemplos), por isso as conjunções são omitidas (assíndeto). Já na segunda lista, as qualidades específicas apresentadas são a razão principal da lista, por isso são usadas todas as conjunções possíveis. A sabedoria do Senhor ao falar, e a perfeição da inspiração do Espírito quando Lucas escreveu, nos impressionam.

Em terminar este pequeno artigo, gostaria de fazer um alerta para aqueles que desejam descobrir mais exemplos de assíndetos e polissíndetos no NT: é necessário verificar suas conclusões pelo texto grego do NT, pois as versões em português muitas vezes escondem estas figuras de linguagem (como foi destacado no caso de Lucas cap. 14).

Se você não sabe ler grego, não se desespere. Eu também não sei, mas há muitos recursos disponíveis hoje em dia para ajudar-nos. Um exemplo é o site Gospel Prime que apresenta o texto grego do NT. Com um pouco de trabalho (e muita cautela para não chegar a conclusões precipitadas!) é possível procurar pela conjunção kai (“e” em português) e ver se ela está presente ou não no texto que você estiver estudando.

Se algum leitor precisar de alguma outra informação, pode entrar em contato comigo nos comentários abaixo.


Leia o próximo artigo nesta série: Zeugma.


© W. J. Watterson

Monday, 5 May 2014

Correction re Neo-Babylonian chronology

Dear readers,

My family's moto, since the 13th century, has been “Veritas vincit omnia” (“Truth conquers all”). What really matters, at the end of the day, is not what I think or what I prefer, but what is right.

In this post I would like to acknowledge that I was wrong in relation to the chronology of the Neo-Babylonian period (626 to 539 B.C.). What I have presented in written and spoken ministry (mostly in Portuguese) was wrong, and even though it is a detail which will only interest a small portion of the small readership of this blog, it is a detail that, to those who mind, really matters.


The correction

Until a few days ago I accepted the chronology presented by Martin Anstey (The Romance of Bible Chronology. London, Marshal Brothers, 1913). Two key dates in that chronological scheme are: 504 B.C. for the destruction of Jerusalem, and 454 B.C. for the first year of Cirus. Archeological discoveries in the last hundred years have proved that Anstey was wrong, and that the received chronology of that period is correct. Thus, I am forced to admit that the dates above should be changed to 587 B.C. and 539 B.C.

As time allows, I hope to correct any errors in this blog which are linked to this time period.

The explanation

Well, why did I follow Anstey? And why have I changed my views?

Anstey's arguments were very attractive based on the facts known when he wrote his book (1913). At that time, the received chronology for the Neo-Babylonian period was almost exclusively based on the writings of Ptolemy. As the dates presented by Ptolemy did not agree with Anstey's interpretation of the Old Testament (especially the prophecy of the seventy weeks in Daniel chapter 9), Anstey affirmed (and I repeated) that the words of the Hebrew prophet were more reliable than the words of an egyptian astronomer. There were no other ancient documents with which to confirm Ptolemy's dates, and he lived many centuries after those kings reigned; it just didn't seem wise to follow blindly his chronological scheme.

Today, however, the facts are different, and I have only recently had access to these facts (I'm not a scholar, by any definition of the term!). There are thousands of documents from ancient Babylon that have been discovered in the last hundred years or so, and as they are translated and published (a slow process), Ptolemy's chronology is consistently being vindicated. Here are two examples:

  • The astronomical diary known as VAT 4956 describes the position of the moon and the five planets (known at that time) on various different occasions during Nebuchadnezzar's 37th year. About thirty of these descriptions are well enough preserved to allow modern astronomers to calculate when they could have occurred, and comparing the B.C. date of these descriptions with the date in the Babylonian calendar (all the descriptions in VAT 4956 have the hour, day and month of observation) it is possible to determine, with certainty, that Nebuchadnezzar's 37th year went from the Spring of 568 B.C. to the spring of 567 B.C. Thus the regular motion of the celestial bodies (and not simply ancient lists of kings) establishes the date of Nabuchadnezzar's reign.
  • Not only that, but thousands of comercial contracts for that period have been discovered (search for “House of Egibi”, or “Egibi family tablets” for an example). All these contracts are dated with the inscription: “Year XX of king XXXXXX”. Among these thousands of tablets discovered, there are tablets dated to every year of every king mentioned in Ptolemy's canon.

Based on these facts, it is not possible for me to continue believing what I believed up to a few days ago. I must admit that the received chronology for the Neo-Babylonian period is trustworthy, and we have no reason to doubt it's accuracy.

Allow me to point out, however, that the issue here was never between the Word of God and the word of Ptolemy. When the wise men of this world openly contradict the Word of God (as in the “Creation x Evolution” debate) I have no qualms about taking a firm stand for the Word of God. But the question here was not really between the Hebrew prophet and the Egyptian astronomer, but between my theories and Ptolemy's facts.

So, I hope that sets the record straight :-)

Pregações de R. E. Watterson

Na conferência em Pirassununga, 15/11/2007
Seguem abaixo links para algumas gravações de pregações feitas pelo meu pai, Ronald E. Watterson. Em Agosto de 1997, depois de muito tempo buscando um diagnóstico para os problemas que o incomodavam, foi confirmado que meu pai sofria do Mal de Parkinson. Ele ainda continuou pregando por mais de uma década depois deste diagnóstico, lutando contra o avanço desta doença cruel.

Meu pai faleceu em 30 de Maio de 2016, com 80 anos de idade. Desde que publiquei os links abaixo, tive acesso a outras mensagens dele — hoje, esta página contém links para 101 pregações. Agradeço aos irmãos José Carrasco e Ubiratã Torres, que forneceram diversas destas mensagens.

Que Deus seja glorificado, e Seu povo edificado, através destas pregações.

Atualização em 19/08/2019 — Devido a configurações de privacidade da Microsoft, os links abaixo estão com problema. Temporariamente, acesse a pasta com todas as pregações neste link.


A vinda do Senhor

Estudo ministrado em Ituiutaba em 1974.

Estudos em Apocalipse

Uma série de oito estudos sobre o livro de Apocalipse, ministrados na Vl Beatriz (SP) em 1985.
  • 1º Estudo: Apocalipse 1:1 a 11;
  • 2º Estudo: Apocalipse 1:12 a 20;
  • 3º Estudo: Apocalipse 1:17 a 20;
  • 4º Estudo: Apocalipse 2:1 a 7 (carta à igreja em Éfeso); 
  • 5º Estudo: Apocalipse 2:8 a 11 (carta à igreja em Esmirna);
  • 6º Estudo: Apocalipse 2:18 a 29 (carta à igreja em Tiatira);
  • 7º Estudo: Apocalipse 3:7 a 13 (carta à igreja em Filadelfia);
  • 8º Estudo: Apocalipse 3:14 a 22 (carta à igreja em Laodiceia). 

Estudos em Apocalipse cap. 4 em diante

Sequência dos estudos acima, no mesmo local (data desconhecida).

A Igreja e as igrejas

Série de cinco estudos ministrados em Tupi Paulista na década de 80.

Estudos em Filipenses

Série de estudos ministrados em São Bernardo do Campo em Dezembro de 1987.

A vinda de Cristo

Quatro estudos sobre este tema:

II Timóteo

Série de dez estudos na Escola Bíblia Samuel.

O Evangelho de Deus

Série de nove estudos ministrados na Escola Bíblia Samuel.

    Desenvolvimento e destino da igreja

    Série de três estudos ministrados em Sacramento. Inclui perguntas e respostas. Qualidade do áudio não é boa.

    Estudos em Filipenses

    Série de estudos ministrados em São Carlos. Data desconhecida.

    Primeiro Samuel

    Dois estudos no primeiro livro de Samuel, Out/Nov de 1995.

    Estudos em Atos

    Série de 6 estudos sobre o livro de Atos. Possivelmente foi na década de 90, em São Joaquim da Barra (Praça).

    Estudos em Gênesis

    Série de três estudos — conferência em Sacramento, Abril de 1996.

    Estudos sobre o Tabernáculo

    Estudos ministrados à igreja local em Pirassununga no ano de 2001.

    A preciosidade de Cristo

    Estudo ministrado na conferência em Pirassununga, 15 de Novembro de 2005.


    A direção do Espírito Santo

    Estudo ministrado na conferência em Pirassununga, 15 de Novembro de 2007. São apresentados os princípios bíblicos relacionados à direção do Espírito Santo na vida do cristão, e nas reuniões dos salvos.

    A supremacia de Cristo

    Estudo ministrado na conferência em Ibaté, 1º de Maio de 2009. Uma das últimas pregações dele, quando o Parkinson já incomodava bastante.

    As dispensações

    Um correto entendimento das dispensações é fundamental para compreender a Bíblia. Quanta confusão existe hoje entre o povo de Deus por não perceber a diferença entre Israel e a Igreja, e entre a Lei e a Graça. Os oito estudos abaixo foram pregados para a igreja no bairro Tupi, em Belo Horizonte (não sei qual ano).

    Relacionamentos

    Série de quatro estudos sobre os relacionamentos entre salvos. Pirassununga, SP.

    Outros

      Pregações do Evangelho


      © 2018 W. J. Watterson

      Wednesday, 30 April 2014

      Correção sobre a cronologia neobabilônica

      Prezados irmãos,

      O lema da família Watterson, desde o século XIII, é “Veritas vincit omnia” (“A verdade vence sempre”). O que importa mesmo, no final das contas, não é o que eu penso ou prefiro, mas sim a verdade. Sendo assim, devemos estar sempre prontos a rever nossas convicções, e corrigi-las sempre que necessário.

      Neste post, desejo reconhecer que eu estava errado em relação àquilo que tenho afirmado (por escrito e do púlpito) sobre a cronologia do período neobabilônico. É um detalhe que só vai interessar um grupo muito pequeno da audiência (muito pequena) deste blog; mas um detalhe que, para quem se interessa pelo assunto, é importante. Entendendo que eu posso ter influenciado alguém a crer em algo que considero errado, é minha responsabilidade tentar corrigir este erro.

      Primeiro, apresento a correção, resumidamente; depois, para quem estiver interessado, uma explicação um pouco mais detalhada.

      Correção

      Até poucos dias atrás eu aceitava a cronologia do período neobabilônico exposta por Martin Anstey (The Romance of Bible Chronology. London, Marshal Brothers, 1913). Duas datas-chave desta cronologia são:
      • Destruição de Jerusalém — 504 a.C.
      • Primeiro ano de Ciro — 454 a.C.
      Descobertas arqueológicas no último século, porém, provaram que Anstey estava errado, e que a cronologia recebida (deste período) estava certa. Sendo assim, tenho que reconhecer que as datas citadas acima deveriam ser modificadas da seguinte forma:
      • Destruição de Jerusalém — 586 a.C.
      • Primeiro ano de Ciro — 539 a.C.
      Conforme o tempo permitir, pretendo examinar este blog e corrigir qualquer data relacionada a este período, baseado nestes dados.

      Explicação

      Por que eu seguia Anstey? E por que mudei de opinião?

      Os argumentos apresentados por Anstey eram muito coerentes diante dos fatos conhecidos na época em que o livro dele foi escrito (1913). Naquela época, a cronologia secular do período em questão era baseada nos escritos de Ptolemy (ou Ptolomeu), principalmente numa lista de reis da Babilônia e Persa (o Cânon Real) preparada muitos séculos depois dos fatos. Como os dados apresentados por Ptolemy não combinavam com a forma como Anstey interpretava algumas profecias do Velho Testamento (principalmente a profecia das setenta semanas de Daniel cap. 9), Anstey afirmou (e eu repeti) que a palavra do profeta inspirado era mais confiável do que a palavra dum astrônomo egípcio. Não haviam outras fontes daquele período que poderiam confirmar os dados de Ptolemy, ele não era contemporâneo dos reis que descrevia, então não parecia sábio seguir cegamente um aparato cronológico escrito por um astrônomo que viveu tanto tempo depois dos fatos em questão.

      Hoje em dia, porém, a realidade é outra. Milhares de documentos da Babilônia antiga foram descobertos no século XIX e XX, e conforme vão sendo traduzidos e publicados (um processo lento) vai se percebendo que os dados cronológicos apresentados por Ptolemy são altamente confiáveis. Eis alguns exemplos:
      • Há um “diário astronômico” conhecido como VAT 4956 que descreve, em diversas ocasiões diferentes, a posição da Lua e dos cinco planetas conhecidos naquela época. Cerca de trinta destas descrições estão bem preservadas, e são datadas no diário (é dada a hora da observação, o dia, o mês, e o ano: todas as observações são do início do 37º ano ao início do 38º ano de Nabucodonosor). Com os conhecimentos astronômicos que temos hoje em dia, a posição da Lua e dos planetas em qualquer data pode ser facilmente calculada. Astrônomos afirmam que, contando para trás a partir dos dias atuais, as posições relativas ocupadas pela Lua e pelos planetas conforme descritos no diário aconteceram no ano de 568/567 a.C. (da primavera de 568 à primavera de 567). Assim fica estabelecido, pelo curso dos corpos celestes (e não simplesmente por tabelas cronológicas de antigos), que o 37º ano de Nabucodonosor começou em 568 a.C.
      • Além disto, milhares de contratos comerciais daquela época foram descobertos nos últimos anos (da firma conhecida como “Egibi e filhos”, por exemplo). Estes contratos são todos datados, trazendo a inscrição: “ano XX do rei XXXXX”. Nestes milhares de contratos descobertos existe menção feita a todos os anos de todos os reis mencionados na lista dos reis de Ptolemy (por exemplo, se Ptolemy afirma que um determinado rei reinou durante vinte anos, existem contratos datados do 1º ano, outros do 2º ano, e assim sucessivamente, até ao 20º ano deste rei). Todos estes milhares de contratos concordam perfeitamente com a lista de Ptolemy.
      Diante de tais fatos, não é coerente afirmar mais que a cronologia recebida do período neobabilônico esta errada; é a interpretação de Anstey (e, por consequência, a minha), que estava errada.

      Gostaria de ressaltar que trata-se de rejeitar uma interpretação humana, não as palavras inspiradas de Deus. Nunca terei vergonha de discordar das interpretações dos homens (não importa quão sábios sejam estes homens) quando estas interpretações discordarem da Palavra de Deus. Um bom exemplo disto é a teoria da evolução; os sábios deste mundo interpretam o registro dos fósseis como sendo prova de que tudo veio do nada, enquanto que a Bíblia afirma que Deus criou tudo. Acredito no que Deus diz na Sua Palavra, e prefiro ver os fósseis como o registro de transformações cataclísmicas controladas por Deus.

      Como escrevi acima, nunca terei vergonha de discordar das interpretações dos homens quando eles discordarem da Palavra de Deus, mas não posso defender uma interpretação minha quando ela contradiz fatos históricos que não podem ser negados.

      Fica o registro, portanto, da correção, acompanhada da oração para que Deus nos ajuda mais e mais a compreender a Sua Palavra e a Sua vontade.

      © W. J. Watterson

      Wednesday, 16 April 2014

      Nove figuras das igrejas locais

      O Novo Testamento usa diversas figuras diferentes para ilustrar o que é, e como deve funcionar, uma igreja local. Uma forma de organizar estas figuras, facilitando a compreensão das diferenças entre elas, é lembrar de como o VT enfatizou a ideia de Deus habitando com o Seu povo no Tabernáculo e no Templo, e pensar na igreja local principalmente em termos de uma habitação divina hoje.



      Pensando desta forma, encontraremos no NT três figuras de uma igreja local que tem em comum esta ideia de um prédio construído (ou em fase de construção):

      • Edifício (I Co 3:9) — é enfatizado o ato de construir, e o cuidado que devemos ter nesta ocupação;
      • Templo (I Co 3:16) — é destacado o caráter duma igreja local, que é santa aos olhos de Deus, mesmo que seja desprezada pelo mundo;
      • Casa (I Tm 3:15) — aqui é destacado o comportamento que se espera dos salvos na casa de Deus. 

      Além de pensar no prédio todo, podemos pensar nos componentes individuais que formam um prédio — os membros que compõe uma igreja local, que Pedro chama de “pedras vivas”. Se prédios na antiguidade eram edificados com pedras, a habitação de Deus hoje é edificada com pedras vivas — pessoas salvas pela graça de Deus. Encontraremos mais três figuras no NT que destacam características do povo que compõe uma igreja (estas três figuras são as únicas que usam seres vivos para representar as igrejas locais):

      • Rebanho (At 20:28) — a ovelha é uma ilustração adequada da fragilidade e fraqueza dos membros duma igreja local;
      • Corpo (I Co cap. 12) — o corpo, com sua multiplicidade de membros, todos trabalhando para o bem comum, nos lembra da função que cada membro de uma igreja local tem;
      • Noiva (II Co 11:2) — assim como uma “virgem pura” é fiel ao seu futuro marido, assim os salvos devem ser fiéis ao seu Senhor.

      Um prédio, porém, além de ser construído com pedras (ou algum outro elemento), também é construído com um propósito. Ninguém se dá ao trabalho de buscar pedras e edificá-las sem uma razão ou necessidade. Assim, encontraremos mais três figuras das igrejas no NT que nos falam do que Deus espera das Suas igrejas:

      • Lavoura (I Co 3:9) — o contexto mostra que, assim como uma lavoura produz fruto, assim uma igreja local deve desenvolver, produzindo fruto para Deus;
      • Coluna e baluarte (I Tm 3:15) — cada igreja local deve estar em-penhada na defesa da verdade apresentada na Palavra de Deus;
      • Candeeiro (Ap 1:12) — assim como João, ao ver os sete candeeiros, teve seu olhar atraído a Cristo no centro, assim as igrejas locais não existem para atrair atenção a si mesmas, mas para direcionar os homens a Cristo, nossa verdadeira atração e centro.

      A tabela abaixo sintetiza os parágrafos acima:




      © W. J. Watterson

      Tuesday, 8 April 2014

      Figuras de linguagem na Bíblia (introdução)

      Introdução

      Creio que a Bíblia, na sua totalidade, é a Palavra inspirada de Deus; “… homens santos de Deus falaram inspirados pelo Espírito Santo” (II Pe 1:21). Creio que as verdades contidas neste livro são de origem divina, mas também creio que as palavras e expressões usadas para transmitir estas verdades foram igualmente escolhidas por Deus, uma por uma. Não podemos valorizar a mensagem enquanto desprezamos o meio que Deus usou para transmitir esta mensagem.

      Quando lemos a Bíblia prestando atenção não só nas verdades que ela ensina, mas também na sua gramática, percebemos que o Espírito Santo fez uso frequente e repetido de figuras de linguagem em todos os livros da Bíblia. Por que Ele o fez? O que podemos aprender com isto? Sugerir respostas a estas perguntas é o objetivo deste estudo.

      Comecemos, porém, definindo a expressão “figura de linguagem”.

      Definindo o termo

      Para que possamos nos comunicar de forma eficaz é necessário seguir certas leis e regras — as palavras que usamos precisam ter um significado estabelecido, e a forma como unimos estas palavras para formar frases precisa também seguir uma estrutura reconhecida. Raramente paramos para pensar nisto ao falar ou escrever, mas sabemos que precisa ser assim. Se cada um usasse palavras com o significado que quisesse, e se as palavras pudessem ser misturadas numa frase sem qualquer preocupação com sua ordem e com a relação entre elas, seria um verdadeiro caos — nossa comunicação traria confusão ao invés de compreensão! Para evitar este caos existem as regras de linguagem, e toda comunicação coerente e compreensível segue estas regras (conscientemente ou não).

      O estudo e o tratado destas regras é responsabilidade da gramática; porém a própria gramática conhece, e aceita, o desvio consciente destas regras de linguagem em determinadas circunstâncias, com o objetivo de chamar atenção ao que está sendo dito. Este desvio da norma padrão é o que chamamos de “figura de linguagem” (“figura” no sentido de “forma”, não no sentido de “ilustração”). É importante enfatizar que “figura de linguagem” não é simplesmente uma ilustração, algo inferior à realidade, mas sim uma forma diferente de escrever (que pode até ser uma forma figurada, mas não necessariamente) que realça a realidade; ou o ato de desviar-se da norma padrão desejando alcançar uma maior expressividade (“Forma de expressão que foge da norma rigorosa, apresentando alterações fonéticas, morfológicas ou sintáticas … que empresta ao pensamento mais energia, mais vivacidade, e/ou confere à frase mais beleza e graça”, Aurélio).

      Pelas definições formais acima, percebemos que as figuras de linguagem servem para chamar atenção ao que está sendo transmitido. Bullinger (veja bibliografia abaixo) usa uma ilustração muito interessante para realçar a importância das figuras de linguagem. Numa viagem longa de trem, ninguém presta muita atenção enquanto tudo flui naturalmente; mas assim que a velocidade do trem diminui, ou algo inesperado acontece, todo mundo está alerta. Assim com um texto, diz Bullinger; enquanto tudo segue as leis normais que regem a gramática, seguimos nossa leitura tranquilos, sem preocupações ou sobressaltos. Mas quando notamos um desvio das leis conhecidas; quando algo é apresentado de uma forma que não é normal, somos levados a parar e perguntar: “Por que este desvio? Qual a intenção do autor ao empregar esta figura aqui?”

      É importante repetir que as figuras de linguagem pertencem também ao campo da gramática, e portanto estão sujeitas a leis e regras como qualquer outra parte de uma língua. Não são uma espécie de Faroeste gramatical, onde não há lei e tudo vale. Ninguém pode escrever algo que foge às leis da gramática e simplesmente dizer: “É figura de linguagem!” Não podemos confundir “vícios de linguagem” (desvios defeituosos da norma padrão, que só confundem) com “figura de linguagem” (um desvio consciente da norma padrão, que realça).

      Resumindo: figuras de linguagem são desvios conscientes da norma padrão que tem por finalidade realçar a beleza ou expressividade de um texto, e que também seguem as regras de linguagem.

      Defendendo o tema

      Nosso objetivo neste estudo, porém, não é estudar gramática, mas sim apreciar um pouco mais das belezas e perfeições da Bíblia. Tendo feito este pequeno desvio pelos campos da gramática e olhado rapidamente para a definição de “figura de linguagem”, precisamos ocupar pelo menos um pouco de espaço para defender este estudo do uso de figuras de linguagem na Bíblia, pois alguns afirmam que tal estudo, além de desnecessário, é desprezível. Desnecessário, dizem, porque não acrescenta nada ao conhecimento que temos de Deus; desprezível, porque aumenta muito a opinião que temos de nós mesmos. Alguns descreveriam esta ocupação com as palavras dirigidas aos ascéticos: “As quais têm, na verdade, alguma aparência de sabedoria … mas não são de valor algum senão para a satisfação da carne” (Cl 2:23).

      Em primeiro lugar, pensemos na necessidade deste estudo. Para conhecer a Bíblia é necessário que eu saiba a diferença entre metonímia e sinédoque? Se eu me tornar um doutor em retórica e souber definir e distinguir todas as figuras de linguagem, terei um conhecimento mais elevado da vontade de Deus para a minha vida?

      A resposta a estas perguntas é um sonoro “Não!” A Bíblia não foi escrita para os eruditos e retóricos, mas para “os pequeninos” (veja Mt 11:25). A mensagem da Bíblia não está em código, necessitando de sabedoria e inteligência humana para decifrá-la. Pelo contrário, a própria Bíblia afirma que sua mensagem é conhecida pelo Espírito Santo, e não pela inteligência humana (I Co 3:11-16). O caminho principal para compreender a mensagem das Escrituras não é estudar gramática e retórica, mas sim permitir que o Espírito Santo nos revele a Sua própria Palavra. “O segredo do Senhor é com aqueles que O temem” (Sl 25:14), diz o Salmista, não com aqueles que são mestres em gramática! O que Deus quer transmitir na Sua Palavra é de fácil compreensão, desde que haja no leitor um espírito submisso e obediente.

      "Ora, então por que perder tempo com este assunto?" pergunta alguém. Como resposta, permita-me apresentar o assunto de outro ponto de vista. Deus usou figuras de linguagem na Sua Palavra? A resposta é muito clara: “Sim — e milhares delas!” Diante deste fato, não devemos perguntar: “Por que preciso prestar atenção nestas figuras?”, mas sim: “Por que irei negligenciar estas figuras?” Se Deus, na Sua infinita sabedoria, achou por bem usar figuras de linguagem em todos os livros das Escrituras, quem sou eu para dizer que este detalhe da Bíblia pode ser desprezado? Como é importante estudar cada palavra, cada detalhe das Sagradas Escrituras, reconhecendo que tudo é inspirado por Deus. Como disse Jeremias: “Achando-se as Tuas palavras, logo as comi, e a Tua Palavra foi para mim o gozo e a alegria do meu coração” (Jr 15:16). O caminho para apreciar a Bíblia como um todo (“a Tua Palavra”) é buscar, achar e digerir cada pequena parte que compõe este Livro (“as Tuas palavras”).

      Precisamos encarar o fato de que Deus apresenta Suas verdades, que são sublimes na sua simplicidade, numa forma extremamente atraente e bela. Todas as páginas da Bíblia registram diversas figuras de linguagem, e o estudo deste assunto certamente é importante e necessário. Não porque vai nos revelar alguma doutrina nova, ou algum mistério que os “indoutos” não conseguem compreender — mas porque vai nos levar a apreciar melhor a perfeição deste livro.

      Há também outro detalhe; precisamos lembrar que a Bíblia é o único texto perfeito na face da Terra! Qualquer outra obra literária, por mais que tenha alcançado status de “obra-prima”, por mais que seu autor seja reconhecido como um gênio literário, será sempre uma obra produzida por um homem de conhecimento e capacidades limitadas. Somente a Bíblia foi escrita por um Autor onisciente e onipotente. É verdade que o estilo que predomina na Bíblia é a simplicidade, e há obras humanas que são mais rebuscadas e gramaticalmente enfeitadas do que a Bíblia (como um todo) — mas isto é porque Deus queria instruir, e não impressionar; Ele escrevia para todos nós, e não somente para um pequeno grupo de intelectuais e eruditos. O que estou argumentando não é que a Bíblia é a obra literária mais rebuscada que existe, mas sim que é a única em toda a face da Terra onde cada palavra (literalmente!) tem um significado e importância; é a única obra perfeita.

      Esta perfeição da Bíblia coloca mais importância sobre as figuras de linguagem que ela usa. Como disse Bullinger:
      O homem pode usar figuras em ignorância, sem nenhuma finalidade específica. Mas quando o Espírito Santo usa palavras humanas e aplica uma figura (ou forma peculiar), é com uma finalidade especial, e esta finalidade deve ser observada e tratada com a devida importância.
      Em outras palavras, autores humanos podem usar uma figura de linguagem sem perceber que usaram, ou somente porque ouviram outro falar desta forma. Podem, também, usar uma figura que não seria a mais indicada naquele contexto. Mas quando o Espírito Santo usa uma figura de linguagem, podemos ter certeza absoluta que Ele o fez com perfeição, e que há tesouros de conhecimento para serem revelados ali. Nunca será perda de tempo prestar atenção aos pequenos detalhes com os quais o Espírito Santo ornamentou a Bíblia.

      Distinguindo os tipos

      As figuras de linguagem são tão numerosas quanto antigas. Os gregos antigos deram nome a mais de duzentas destas figuras, mas o verdadeiro desafio está em classificá-las de uma forma útil. Uma pesquisa sobre este assunto mostrará diversas formas diferentes de se dividir e classificar as figuras de linguagem, cada uma tendo suas vantagens e desvantagens.

      Devido às minhas limitações neste assunto, não vou me atrever a resolver a questão. Mas como precisamos de algum tipo de classificação para não nos perdermos em meio a tantas figuras, vou seguir o esquema proposto por Bullinger, que divide as figuras de linguagem em três grupos:

      1. Figuras que são caracterizadas por omissão (de palavras ou de significado — figuras elípticas);
      2. Figuras que são caracterizadas por acréscimo (pela repetição de palavras ou de significados — figuras pleonásticas);
      3. Figuras que são caracterizadas por alteração (no uso, na ordem, ou na aplicação de palavras).

      Na sua monumental obra, Bullinger usou mais de mil páginas para nomear, classificar, descrever e ilustrar (com passagens bíblicas) duzentas e dezessete figuras de linguagem encontradas na Bíblia. Minha intenção neste estudo é bem mais limitada: pretendo somente destacar algumas destas figuras, como uma pequena introdução ao assunto. Há muito ainda que preciso aprender, e há muito ainda para ser explorado nas Escrituras. Mas se esta introdução servir para despertar em alguém o interesse para aprofundar-se neste estudo, e se criar em todos nós o desejo de prestarmos mais atenção aos pequenos detalhes da Bíblia, será motivo de gratidão a Deus.

      Em próximos artigos, se Deus permitir, destacarei algumas das figuras de linguagem mais comuns na Bíblia.

      Leia o próximo artigo nesta série: Assíndeto e Polissíndeto.

      Bibliografia resumida:
      BULLINGER, E. W. Figures of Speech used in the Bible Explained and Illustrated. Michigan, Baker Book House, 23rd printing, 2003.


      © W. J. Watterson

      Monday, 31 March 2014

      A desilusão de Simeão

      Ouvi uma pregação hoje à noite sobre a mulher pega em adultério em João cap. 8, e lembrei-me deste texto escrito na minha mocidade (poucos anos atrás :-)

      A desilusão de Simeão


      Simeão, desde pequeno, se destacara no meio dos seus colegas, não apenas pela sua saúde e inteligência, mas também pela sua devoção a Jeová, o Deus de seus pais. Bem educado e esforçado, ele cumpria à risca as determinações da Lei de Moisés, estudava diligentemente as Escrituras, e sonhava com o dia em que seria reconhecido como um mestre da Lei.

      Naquela manhã tranquila em Jerusalém, caminhando em direção ao Templo, seu coração parecia flutuar à sua frente, e sua consciência, tranquila, estampava um sorriso contagioso em sua face. Ele seguia alheio a tudo ao seu redor, com mil e um sonhos alegres ocupando sua mente de adolescente.

      Repentinamente, porém, seus sonhos foram interrompidos. Um grupo de homens, escribas e fariseus, desceram a rua correndo e entraram numa casa logo à sua frente. Simeão parou, espantado, ouvindo a gritaria que se iniciara dentro da casa, enquanto pessoas corriam para todos os lados. Poucos minutos depois, com uma mulher segura pelos braços, a multidão saiu da casa, e tomou a direção do Templo.

      Curioso e interessado, Simeão correu ao lado de Judas, seu tio, que fazia parte da multidão enraivecida. “Que confusão é esta, tio Judas?”

      Sem parar de correr, seu tio respondeu: “Esta mulher foi apanhada em adultério, e vamos levá-la para Jesus, o nazareno. Vai ser uma forma de pegá-lo em contradição”.

      “Mas como?”, perguntou Simeão.

      “É simples”, respondeu seu tio; “Se ele disser que ela deve ser apedrejada, como manda a Lei, então estará desobedecendo à lei romana, e estará negando sua pregação, que fala tanto de amor e perdão. Mas se ele disser que ela deve ser perdoada, então ele estará indo contra a lei de Moisés! Entendeu? Ele não tem saída!”

      “Puxa”, pensou Simeão; “É mesmo; ele não tem saída! Essa eu quero ver!” E o garoto se uniu à multidão, que crescia cada vez mais. Apesar de pequeno, ele já havia aprendido a odiar a Jesus, que se dizia Filho de Deus. Aos olhos de Simeão e seu povo, isto era blasfêmia, e ele faria qualquer coisa para acabar com o Carpinteiro de Nazaré que ousava dizer que era Deus!

      Poucos minutos depois, chegaram ao Templo. Simeão foi logo se enfiando no meio do povo, querendo ver tudo de perto. Empurrando daqui e dali, conseguiu chegar ao centro da roda. Lá estava a mulher, em pé no meio de todos, cabisbaixa; um pouco ao lado ele viu Jesus, que estava inclinado, calmamente escrevendo com o dedo na terra.

      “Ele não vai dizer nada?”, Simeão sussurrou ao homem que estava ao seu lado.

      “Não sei. Os escribas já lhe apresentaram o problema, mas ele começou a escrever na terra e não disse nada!”

      Naquele momento Jeosafá, o mestre de Simeão, levantou a voz e disse, sem conseguir disfarçar seu desprezo e ironia: “Mestre, não respondes à nossa pergunta? Devemos apedrejá-la?”

      Houve uma pequena pausa; todos fitavam Jesus, alguns ansiosos, outros com ar de vitória. Finalmente Ele se endireitou. Olhou primeiro para Jeosafá, depois para a mulher, e então permitiu que Seu olhar passasse pela multidão ao Seu redor. Simeão ficou surpreso ao ver, no olhar de Jesus, um brilho de ternura, e algo mais; parecia tristeza. Jesus então falou: “Aquele dentre vós que estiver sem pecado, atire a primeira pedra contra ela”.

      O silêncio foi instantâneo. “Ele concordou em apedrejá-la”, pensou o garoto. “Agora podemos acusá-lo perante os romanos, e ele será preso!” E ele olhou em redor, esperando ver alegria e satisfação no rosto daqueles homens.

      Mas não. O que ele viu deixou-o ainda mais surpreso. Todos olhavam para o chão, aparentemente envergonhados, num silêncio constrangedor. “Mas o que está acontecendo?” pensou ele.

      Depois de vários minutos, o velho Levi, lá do outro lado do círculo de pessoas, moveu-se, caminhando lentamente em direção à mulher. “É agora!” pensou Simeão, quase gritando de euforia.

      Mas o velho escriba não ergueu os olhos; foi passando, atravessou o círculo que haviam feito em torno de Jesus, e começou a retirar-se. Simeão olhava, atônito, enquanto os velhos mestres, um após o outro, seguiam seu exemplo, e afastavam-se. Até Jeosafá se levantou para ir embora!

      “Não é possível!”, Simeão pensou. Com o coração ardendo, ele saiu correndo atrás de seu mestre, puxou-o pelo braço e quase gritou: “Mestre, o que vocês estão fazendo?” Jeosafá olhou para o rosto coberto de lágrimas do garoto, mas não conseguiu dizer nada. Desviando o olhar, colocou a mão no ombro de Simeão, depois virou-se e partiu.

      Simeão, porém, permaneceu imóvel, como que grudado no chão. Pois naquele instante em que os olhos de Jeosafá haviam se encontrado com os seus, Simeão havia visto, claramente, a vergonha que Jeosafá estava sentindo. E como se recebesse um golpe, ele entendeu; todos aqueles mestres, escribas e fariseus, todos eles estavam se retirando, do mais velho ao mais moço, porque todos eram pecadores. Ninguém tinha coragem de atirar a primeira pedra! O mundo de Simeão estava desabando. Ele virou-se novamente para onde Jesus estava, mas não havia mais ninguém ali com Ele. Até a mulher estava indo embora. Mas como era diferente o rosto dela! Se em Jeosafá havia tristeza e vergonha, o rosto dela até brilhava, repleto de paz e alegria! “Mas ela é pecadora!” pensou Simeão, a boca seca, os joelhos tremendo, numa mistura de raiva e confusão; “Ela é a pecadora! Isto não é certo. Ela é a pecadora!

      Foi quando ele viu que Jesus se levantava, olhando em sua direção; e o garoto lembrou-se das palavras do Mestre dos mestres: “Aquele dentre vós que estiver sem pecado, atire a primeira pedra contra ela”. Neste instante ele viu o seu pecado; não apenas o pecado daquela mulher, mas o pecado de Simeão! Toda sua preocupação em guardar a Lei, seu orgulho de ser judeu, nada disso importava mais. Sua consciência, finalmente acordada, não parava de lembrá-lo dos muitos pecados que ele cometera. Ele era zeloso da Lei, temente a Deus, educado e obediente — mas agora ele sabia também que era pecador.

      Era o fim; sem conseguir olhar nos olhos dAquele que ele viera acusar, Simeão afastou-se, envergonhado e desolado.

      *******

      Prezado leitor, você não quer ser honesto consigo mesmo, e reconhecer, como Simeão, que você também é pecador? Não preocupe-se com os outros — é o teu pecado que importa. Você teria coragem de atirar a primeira pedra? Nem eu, nem você, nem Simeão, nem ninguém — somos todos pecadores. Diz a Bíblia: “Não há diferença, porque todos pecaram” (Rom. 3:23).

      Mas uma vez reconhecendo este fato, não se retire como Simeão — venha ao Senhor Jesus. A Bíblia diz Ele veio ao mundo exatamente para buscar pecadores como eu e você: “o Filho do Homem veio buscar e salvar o perdido” (Lucas 19:10). Ele morreu na cruz em nosso lugar, e o Seu sangue “nos purifica de todo pecado” (I João 1:7). Religião pode ter proveito, mas não perdoa pecados; boas obras são desejáveis, mas não perdoam pecados; é somente o Filho do Homem que “tem poder para perdoar pecados” (Marcos 2:10). A Bíblia afirma que quem crê nEle tem a vida eterna, e recebe o perdão dos pecados (João 3:36; Atos 10:43).

      Você é pecador, mas Cristo pode te salvar do pecado e da condenação eterna.



      © W. J. Watterson

      Thursday, 20 March 2014

      Diferenças entre as listas de Esdras e Neemias

      Apresento abaixo uma tabela comparativa das listas dos filhos de Israel que voltaram do Cativeiro na Babilônia. Há duas listas nas Escrituras; uma em Esdras cap. 2, a outra em Neemias cap. 7, e há duas coisas sobre estas listas que devem ser mencionadas:


      O total não combina com os detalhes

      No final de cada lista é dado o número total dos que voltaram do cativeiro, e este número é idêntico nas duas listas: 42.360. O problema é que a soma das famílias mencionadas nas listas é bem menor do que 42.360: na lista de Esdras há somente 29.818 pessoas mencionadas, e na de Neemias, 31.089. Restam, portanto, mais de dez mil pessoas (12.542 em Esdras, e 11.271 em Neemias). Há duas possíveis explicações para esta diferença:

      • A literatura judaica antiga (Seder Olam Rabah, c. 29, p. 86) afirma que este excesso era de Israelitas das dez tribos, aquelas que foram levadas ao cativeiro na Assíria, e não na Babilônia. Os que voltaram de Judá e Benjamin foram identificados pelas suas famílias, mas alguns das outras tribos ouviram do retorno de seus irmãos do Exílio, e se juntaram a eles; estes não foram mencionados por nome.

      • Há uma diferença nas palavras usadas. O início das listas usa a palavra enowsh (“homem”), enquanto que o total é relacionado à palavra qahal (“multidão”): “O número dos homens do povo de Israel … Toda esta congregação junta …” (Ed 2:2, 64; Nm 7:7, 66). É possível, portanto, que apenas os homens foram listados por nomes, e as mulheres [Nota 1] e crianças constituem o número excedente.

      Qualquer uma das duas sugestões é possível; a primeira me parece mais provável.

      Os detalhes não combinam entre si

      Esdras e Neemias apresentam números diferentes para várias das famílias. Na tabela abaixo, todas as linhas destacadas com a cor amarela contém alguma diferença entre os números fornecidos em Esdras e os de Neemias (são vinte e oito registros iguais, e vinte diferentes). Antes de pensar nas possíveis razões para este fato, quero destacar que este fato confirma a autenticidade e a veracidade das duas listas:

      • Confirma sua autenticidade — Alguns sugerem que as diferenças existem porque as duas listas são fabricadas, mas as diferenças entre elas realmente provam o contrário. Lembrando que Esdras e Neemias eram um só livro até o século III, não é coerente imaginar que algum judeu teria o trabalho de fabricar duas cópias de uma lista falsa, e não se preocupar em fazer com que fossem idênticas. Pelo que conhecemos da natureza humana, sabemos que isto é impossível. Alguém trabalhando com pressa poderia cometer um ou outro deslize, mas mesmo um falsificador medíocre não permitiria tantos erros (vinte erros num total de quarenta e oito registros!) em duas listas que ele afirma serem iguais. As diferenças entre as duas listas provam que elas são documentos diferentes e autênticos, e não uma falsificação feita por um enganador.

      • Confirma sua veracidade — Alguns afirmam que estas diferenças só podem ser o resultado de erros de transcrição enquanto a Bíblia era copiada através dos séculos, e que não podemos saber quais eram os números originais. Dizem que as duas listas são falsas — não porque foram falsificadas, como tratamos acima, mas porque contém falhas. Se pensarmos um pouco nesta sugestão, porém, veremos que as diferenças entre as listas são numerosas demais, e variadas demais, para que isto seja possível. Sabemos que, ao copiar uma lista de nomes e números, é muito fácil cometer um erro. Mesmo com todo o cuidado que os judeus tinham ao copiar as Escrituras do Velho Testamento (uma pesquisa sobre este assunto é muito interessante), temos que admitir que, se fosse apenas uma obra humana, erros seriam inevitáveis. Mas as diferenças entre estas duas listas são muitas (mais de 40% dos números contém variações), e são extremamente variadas. Quando há variações devido a erros de copistas, geralmente se entende por que o erro aconteceu (troca de um dígito, ou algo semelhante), mas as variações nestas duas listas não seguem nenhum padrão que possa ser explicado pela negligência dos copistas.[Nota 2]

      Assim, as diferenças entre as duas listas provam que o que temos hoje em nossas Bíblias é o que Esdras e Neemias escreveram tantos séculos atrás. Se os judeus quisessem ter nos enganado fabricando duas listas, teriam feito esta falsificação com mais cuidado; se os judeus tivessem sido omissos ao copiar as Escrituras e permitido erros de copistas, as diferenças entre as listas não seriam tantas, nem tão variadas.

      As considerações acima confirmam que as duas listas devem ser tratadas como livres de falsificação e livres de falhas, mas não explicam as diferenças entre as duas listas. Se o que temos hoje em Esdras 2 e em Neemias 7 é exatamente o que eles escreveram, preservado para nós pelo poder de Deus, porque a lista em Neemias é tão diferente da lista em Esdras? Há três sugestões que já foram apresentadas:

      • Muitos autores sugerem que a diferença é devido à época em que as duas listas foram feitas; uma lista poderia ter sido feita quando o povo se preparava para sair da Babilônia, indicando todos os que planejavam fazer a viagem; enquanto que outra poderia mencionar somente aqueles que efetivamente saíram da Babilônia e chegaram em Jerusalém, alguns meses depois[Nota 3]. Alguns talvez deram o seu nome quando souberam da possibilidade de voltar, mas depois desistiram; outros talvez resolveram ir somente na última hora. Diante de viagem tão longa, com perspectivas de aventura e perigo, bem pode ser que muitos mudariam de opinião na última hora.

      • Alguns sugerem que somente a lista de Esdras é a correta, e que Neemias encontrou uma cópia adulterada desta lista. Neemias diz: “Achei o livro da genealogia dos que subiram primeiro, e nele estava escrito o seguinte …” Sendo assim, o que Neemias escreveu no seu livro foi uma cópia fiel e verdadeira do documento que ele tinha em mãos, mas este documento estava corrompido. Quem sugere isto crê na inerrância das Escrituras, atribuindo a diferença entre as listas ao documento que Neemias cita. É um fato que a Bíblia registra coisas que outros disseram e escreveram e que não são verdadeiras,[Nota 4] mas acho difícil entender que isto aconteceu aqui, visto que Neemias e Esdras foram contemporâneos.

      • Alguns comentários (Davidson, JFB, TSK[Nota 5]) citam uma explicação dada por alguém chamado “Alting”. Este autor mostra que Esdras menciona 494 pessoas que Neemias não menciona[Nota 6], enquanto que Neemias menciona 1765 que não são mencionados em Esdras. Ora, se adicionarmos aos 29.818 de Esdras os 1.765 excedentes de Neemias, teremos 31.583. Se adicionarmos aos 31.089 de Neemias os 494 excedentes de Esdras, teremos 31.583 —exatamente os mesmos valores. Alting é citado por Davidson na sua obra, que por sua vez é citado por JFB, TSK, etc., como se este detalhe fosse a solução do problema. Confesso que é um detalhe interessante, mas infelizmente ele não prova absolutamente nada; é simplesmente uma característica de duas listas quaisquer de números.[Nota 7]

      A única desta três alternativas que me parece viável é a primeira. Não posso afirmar que é isto que aconteceu, mas consigo ver que é possível que isto tenha acontecido. Por outro lado, reconheço minha ignorância de todos os fatos, e bem pode ser que o Senhor tinha outras intenções em levar Esdras e Neemias a apresentar contagens diferentes em relação a esta multidão que voltou da Babilônia.

      Conclusão

      Minha intenção com este pequeno artigo não é explicar o porquê da diferença, mas somente:

      i) Tentar anotar todos os detalhes das diferenças entre as duas listas (pois a solução de um problema começa pelo entendimento do problema);

      ii) Tentar mostrar que existem explicações lógicas e possíveis para estas diferenças.

      Nenhum de nós conhece toda a verdade, e seria presunção fazer afirmações onde a Bíblia se mantém em silêncio. Mas a atitude do cristão diante da Palavra de Deus deveria ser uma de reverente fé naquilo que está escrito. Posso não entender tudo que leio; posso não saber explicar as aparentes contradições; mas creio que a Bíblia é a Palavra inspirada de Deus, e “digna de toda a aceitação”.




      Notas de rodapé

      Nota 1 — Alguns acham impossível a proporção de mulheres para homens neste caso (se o número excedente se refere apenas às mulheres, somente um em cada três homens seria casado; se incluirmos crianças nesta contagem, a proporção seria ainda menor). Realmente a proporção não é normal; mas se lembrarmos que muitos preferiram ficar na Babilônia do que enfrentar a longa e perigosa viagem de volta a uma terra deserta e abandonada, não seria difícil imaginar que haveria muito mais homens jovens e solteiros (com menos preocupações e impedimentos) dispostos a fazer esta primeira viagem de volta à terra prometida, enquanto que a maioria dos casados e com família teriam mais receio de enfrentar uma viagem destas.

      Nota 2 — Por exemplo, na primeira diferença entre as duas listas, Neemias fala de 123 pessoas a menos do que Esdras, enquanto que na segunda ele menciona 6 pessoas a mais. Trocar 2812 por 2818 (a segunda diferença na lista) é fácil de acontecer (basta um pequeno descuido para trocar o último “2” por um “8”, repetindo o dígito “8” que já apareceu no número), mas trocar 775 por 652 (a primeira troca) já é uma mudança que dificilmente poderia ser explicada por um mero descuido do copista. Ilustrei este detalhe usando os dígitos em português, ciente de que no hebraico as diferenças seriam outras; mas o princípio é o mesmo para todas as línguas: mudanças que são fruto de erros de copistas seguem um padrão que pode ser explicado por uma falha de atenção, mas mudanças tão variadas uma das outras, como as destas listas, precisam de outra explicação.

      Nota 3 — A viagem era longa — Esdras, por exemplo, demorou quatro meses (Ed 7:8-9).

      Nota 4 — Por exemplo, a serpente disse a Eva: “É certo que não morrerás”. A Bíblia contém este registro, não porque as palavras da serpente são a verdade, mas porque é verdade que a serpente disse estas palavra.

      Nota 5 — DAVIDSON, Samuel. Sacred Hermeneutics develped and applied. Edinburgh: Thomas Ckark, 1843, pág. 554. “JFB” refere-se ao comentário de Jamieson, Fausset e Brown, e “TSK” refere-se ao Treasure of Scripture Knowledge.

      Nota 6 — Demorei para conseguir entender isto, então explico aqui o que ele quis dizer; pode ajudar outra pessoa. Se compararmos a lista de Esdras com a de Neemias, e em todo registro em que Esdras é maior do que o correspondente registro em Neemias, anotarmos à parte quantas pessoas Esdras menciona à mais do que Neemias, veremos que a soma de todas estas anotações será igual a 494. Comparando Esdras com Neemias, teremos estes acréscimos em Esdras: os filhos de Ará, 123 a mais (775-652); os filhos de Zatu, 100 a mais (945-845); os homens de Betel e Ai, 100 a mais (223-123); os filhos de Magbis, 156 a mais (156-0); os filhos de Jericó, 4 a mais (725-721); os filhos dos porteiros, 1 a mais (139-138); os filhos de Dalaías, Tobias e Necoda, 10 a mais (652-642). Somando todos estes acréscimos, temos: 123+100+100+156+4+1+10=494. Para o segundo número (1765) fazemos a mesma coisa, mas agora somando todos os “excedentes” da lista de Neemias em relação à de Esdras.

      Nota 7 — Monte duas listas com cinco ou seis registros cada, e preencha-as com números aleatórios. O total da primeira lista acrescido de todos os excedentes da lista paralela, será sempre igual ao total da segunda lista acrescido de todos os excedentes da primeira.




      © W. J. Watterson

      Thursday, 6 February 2014

      Linha do Tempo resumida do VT

      O relato histórico apresentado no Velho Testamento não é uniforme — às vezes a narrativa passa voando por centenas de anos em poucos versículos, às vezes ela diminui a velocidade e ocupa um livro inteiro para falar de um período de trinta dias. É fundamental entender este fato, e procurar perceber a velocidade da narrativa ao estudar o VT.

      O gráfico abaixo apresenta uma visão global dos livros históricos do VT (de Gênesis a Ester) colocados numa linha do tempo que vai da Criação do mundo até o nascimento do Messias, o Senhor Jesus Cristo. Alguns acontecimentos principais (como o Dilúvio, o Êxodo, etc.) estão marcados na linha do tempo, mas a principal finalidade do gráfico é mostrar o período de tempo ocupado por cada livro, e a relação entre os livros em relação ao tempo.



      Há uma barra verde para cada um dos dezessete livros históricos (alternando entre dois tons de verde, para distinguir os livros um do outro), com exceção de Levítico e Deuteronômio — estes dois livros narram os acontecimentos de um período de 1 mês apenas (cada um), e são representados na linha do tempo por uma linha vermelha. As barras que representam cada livro da Bíblia estão em escala (quanto maior a barra, mais tempo o livro ocupa na História do VT). Se a tabela for impressa numa folha A3 (420 x 297 mm), cada milímetro será equivalente a dez anos (Juízes descreve um período de 400 anos, e sua barra mede 40 mm). No caso de diversos livros (começando com Êxodo) não há espaço na barra colorida para incluir os dados do livro — nestes casos, os dados são incluídos abaixo, e ligados à barra por uma linha sólida.

      Para montar o gráfico usei os dados cronológicos publicados por M. Anstey (ANSTEY, Martin. Chronology of the Old Testament complete in one volume. Grand Rapids, Kregel Publications, 1973. ISBN 0-8254-2112-8). Qualquer um que tenha tentado estudar a cronologia do VT sabe que há alguns períodos que representam grande dificuldade — por isso, preciso alertar a todos que consultarem o gráfico que outros cronólogos poderão sugerir datas ligeiramente diferentes para alguns acontecimentos. Muitos entendem que a data do Dilúvio, por exemplo, é diferente da data que usei no gráfico. Ainda assim, a utilidade do gráfico permanece, pois a relação geral entre as partes do Velho Testamento apresentada aqui não sofrerá grandes mudanças, qualquer que seja o sistema cronológico seguido.

      O gráfico permite perceber claramente como Deus Se preocupa, no VT, em nos contar a história de Israel, e não a história da Humanidade. Gênesis, o livro que nos leva da Criação do Homem à formação da nação de Israel, passa rapidamente por um período de mais de dois mil anos — mais do que todo o restante do VT!

      Também percebemos que II Samuel descreve o mesmo período apresentado em I Crônicas, e que o segundo livro das Crônicas se ocupa com o mesmo período abrangido pelos dois livros dos Reis.

      O livro de Rute se encaixa no período dos Juízes, mas é impossível saber com certeza sua data.

      Se alguém tiver alguma pergunta ou sugestão relacionada a este assunto tão interessante, peço a gentileza de se manifestar através dos comentários.

      P.S. Atualizado para incluir datas a.C. (antes de Cristo). A primeira versão do gráfico continha apenas as datas a partir da criação de Adão.






      © W. J. Watterson

      Friday, 17 January 2014

      Devemos jejuar hoje em dia?

      Introdução

      Qual deve ser a posição do cristão hoje em relação ao jejum? Nesta presente Dispensação, será que jejuar é algo indicado (que todo cristão deve praticar), inadequado (que todo cristão deve evitar), ou indiferente (quem faz não erra, quem não faz não erra)?

      Para responder esta pergunta precisamos pesquisar o Novo Testamento, reconhecendo a diferença entre a Velha Aliança (a época da Lei) e a Nova Aliança (a época da graça em que vivemos hoje). As práticas de Israel na época do Velho Testamento e dos Evangelhos (com seus sacrifícios, dízimos e jejuns) pertencem à Dispensação da Lei, e não são o guia prático para os salvos hoje — hoje vivemos na Dispensação da Graça, ou da Igreja (um período de tempo que começou em Atos cap. 2 e continuará até o Arrebatamento da Igreja).

      Comecemos definindo a palavra. “Jejum”, no NT, é a tradução das palavras gregas nesteia, nestis (substantivos) ou nesteuo (verbo), cuja definição, de acordo com o dicionário de Thayer, é a seguinte:
      “Abster de alimento ou bebida como um exercício religioso; ou completamente, se o jejum durasse somente um dia, ou de alimentos costumeiros e escolhidos, se continuasse por vários dias.”
      A palavra (nas suas diversas formas) aparece trinta e uma vezes no NT, e podemos dividir estas ocorrências em quatro grupos:

      1. Referindo-se a uma experiência comum, do cotidiano. Algumas vezes a palavra não tem nenhuma conotação religiosa, mas simplesmente descreve alguém que, por que não teve oportunidade de comer, está em jejum. Por exemplo, quando a multidão seguiu o Senhor para ouvir Seus ensinos, Ele disse: “Tenho compaixão da multidão, porque já está comigo há três dias, e não tem o que comer; e não quero despedi-la em jejum, para que não desfaleça no caminho.” Ele simplesmente quis dizer que Ele não queria despedir a multidão com fome; Ele queria primeiramente lhes dar algo a comer. Há quatro ocorrências da palavra com este sentido (Mt 15:32; Mc 8:3; II Co 6:5, 11:27). Estas ocorrências não tem relação com o assunto deste estudo, pois não se referem a jejuar no sentido religioso ou espiritual.
      2. Referindo-se a uma festa nacional dos judeus. Uma vez (At 27:9) a palavra refere-se ao dia da Expiação, um feriado nacional para os judeus. Esta ocorrência também não tem relação com o assunto deste estudo, pois descreve algo que fazia parte do cerimonial religioso do Velho Testamento.
      3. Ensino. Dezenove vezes a palavra é usada num contexto em que ensino está sendo dado, e convém analisar estas ocorrências mais detalhadamente abaixo.
      4. Exemplos. A palavra é usada sete vezes apresentando seis exemplos de alguém jejuando: Ana (Lc 2:37), o Senhor Jesus (Mt 4:2), o fariseu (na parábola de Lc 18:12), Cornélio (At 10:30), alguns irmãos em Antioquia (At 13:2-3), e Paulo e Barnabé (At 14:23).

      Destes quatro grupos, somente os dois últimos tem alguma relação direta com o nosso assunto, e podem nos revelar alguma coisa sobre qual deveria ser nossa posição em relação ao jejum nesta dispensação em que vivemos. Vamos considerá-los mais detalhadamente.

      Ensino que inclui menção ao jejum

      As dezenove ocorrências deste grupo referem-se a quatro ocasiões diferentes:

      i) No Sermão da Montanha (Mt 6:16-18)

      Precisamos entender que este ensino foi dado pelo Senhor Jesus quando a Dispensação da Lei ainda estava em vigor; seria somente no dia de Pentecostes registrado em Atos cap. 2, alguns anos depois, que a Igreja começaria a existir. Portanto, “quando examinamos os detalhes do manifesto [no Sermão da Montanha] é necessário ter discernimento. Uma aplicação geral de tudo leva à confusão; ao invés disto, devemos nos perguntar: quais detalhes eram para o Seu povo de então, quais são para o Seu povo hoje, e quais para o Seu povo no futuro?” (HEADING, J. Comentário Ritchie do NT, volume 1. Pirassununga, Editora Sã Doutrina, 2002. Pág. 103).

      De modo geral, podemos dizer que os princípios espirituais que estão por trás dos detalhes no Sermão da Montanha são princípios eternos, mas que os detalhes materiais e físicos não tem, necessariamente, aplicação direta a nós nesta Dispensação. Um exemplo deve deixar isto claro: em Mateus 5:23-24 o Senhor fala sobre trazer uma oferta ao altar, e a necessidade de primeiro reconciliar-se com um irmão ofendido, para depois apresentar a oferta. O ato físico de trazer um animal diante do altar não deve ser praticado hoje, mas o princípio que está por trás deste ato (isto é, que é necessário reconciliar-se com seu irmão antes de servir a Deus) certamente continua válido (veja I Jo 4:20, por exemplo). Preservamos o princípio (a prioridade do perdão) pois ele é eterno, mas não imitamos o ato físico (trazer uma oferta ao altar) pois ele pertence a outra Dispensação.

      Lembrando do contexto em que estes versículos se encontram, não podemos basear nossa prática quanto ao jejum nos dias de hoje no detalhe físico mencionado aqui. O princípio espiritual destacado (que não podemos servir a Deus desejando ser vistos pelos homens) continua sendo válido, mas o ato em si é mencionado aqui no contexto da Velha Aliança, e não podemos usar este trecho para aprender sobre o ato de jejuar na Nova Aliança.

      ii) Respondendo aos discípulos de João

      Os três Evangelhos sinóticos registram o questionamento dos discípulos de João e dos fariseus quanto ao fato dos discípulos do Senhor não jejuarem (Mt 9:14-15, Mc 2:18-20 e Lc 5:33-35 — doze ocorrências). O Senhor deixa claro que, enquanto Ele estivesse com os Seus, eles não teriam razão para jejuar, e acrescenta: “Dias porém, virão, em que lhes será tirado o esposo, e então jejuarão”. John Heading, citado acima, mostra que estes “dias” vindouros seriam “entre a Sua morte e Sua subsequente ressurreição” (Ibid., pág. 176). Adam Clarke, no seu comentário sobre este versículo, afirma que os cristãos primitivos entendiam desta forma as palavras do Senhor, referindo-se ao tempo que Seu corpo esteve no sepulcro.

      Da mesma forma que o ensino anterior (no Sermão da Montanha), este também foi dado quando a Velha Aliança ainda estava em vigor, portanto não podemos aplicá-lo literalmente a nós hoje. Até o aspecto profético deste ensino — quando o Senhor fala que haveria um tempo em que os Seus discípulos jejuariam porque Ele estaria separado deles — já foi plenamente cumprido no período entre a Sua morte e ressurreição. Realmente “foi tirado o esposo” durante aqueles dias tão tristes, mas a tristeza dos discípulos logo se transformou em alegria quando viram o Senhor ressurreto — e a alegria que os inundou quando viram o Senhor vivo é uma alegria da qual disse o Senhor: “ninguém vo-la tirará” (veja Jo 16:16-22).

      Hoje Ele não está ausente de nós — fisicamente, talvez, mas Ele mesmo prometeu estar conosco todos os dias e fazer morada em nós, Seus servos (Mt 28:20 e Jo 14:23). Lembrando disto, temos no ensino destes versículos que estamos considerando uma forte indicação de que o ato de jejuar não é necessário para nós nesta Dispensação. Durante o curto período em que o Senhor esteve separado dos Seus pela morte, eles tiveram razão para jejuar; mas desde o momento glorioso da ressurreição, tal razão não existe mais.

      Este acontecimento, portanto, indica que não há muita razão para o cristão jejuar hoje, devido à comunhão especial que temos com nosso Salvador.

      iii) Após a Transfiguração (Mt 17:21; Mc 9:29)

      Este é outro trecho que pertence à Velha Aliança, e não podemos simplesmente transportar as práticas daquela Dispensação para os nossos dias. Devemos aprender com o princípio espiritual apresentado pelo Senhor Jesus, mas entender que não vivemos mais sob o jugo da Lei.

      O princípio que o Senhor está apresentando é que aquela obra que Ele acabara de realizar (expulsando um demônio) não era algo que poderia ser feito displicentemente, mas que exigia um preparo prévio para verdadeiramente estar em comunhão com Deus. Heading explica que o Senhor está enfatizando que “colocar a alma em harmonia com Deus” não era algo automático, e sugere que o sentido de oração e jejum neste contexto é que “a oração é o contato contínuo do coração com Deus; o jejum é a contínua falta de contato com o mundo” (Ibid., pág. 305). Em outras palavras, para servir a Deus de forma eficaz, precisamos estar em contato com Deus continuamente (ilustrado pelo ato da oração), e dispostos a abrir mão até de coisas lícitas, se estas atrapalham nosso serviço (ilustrado pelo ato do jejum).

      Este trecho também não se aplica literalmente a nós — ensina-nos lições espirituais, mas não nos fala nada sobre o ato do jejum para a nossa Dispensação.

      iv) Escrevendo para a igreja em Corinto (I Co 7:5)

      Esta quarta e última ocasião em que o Novo Testamento apresenta ensino relacionado ao jejum é a única que trata especificamente desta dispensação. As versões Atualizada e Corrigida da SBB omitem a palavra “jejum” neste versículo, mas ela é incluída pela versão da SBTB. O apóstolo não está dando ensino diretamente sobre o jejum, mas afirmando que um casal cristão deve dar importância à sua intimidade, apenas quebrando esta intimidade se for para aplicar-se “ao jejum e oração”, e logo depois ajuntando-se novamente.

      Deste trecho podemos entender que, na igreja primitiva, era normal que cristãos praticassem o jejum. Mas é importante perceber que esta é a única passagem em todas as epístolas do Novo Testamento que dá ensino sobre o jejum (e isto, como já destacamos, indiretamente). Não é uma exortação para que jejuemos, nem são instruções sobre como jejuar, mas simplesmente um aviso para não permitir que a oração e o jejum interrompessem definitivamente a intimidade do casal; poderiam se separar para estas atividades, mas logo depois deveriam ajuntar-se novamente.

      Devido à ausência de instruções claras quanto à prática do jejum, talvez podemos entender esta prática como um daqueles aspectos da Lei que demoraram um pouco mais para serem deixados de lado pelos judeus (como o voto que Paulo fez em Jerusalém; At 21:22-26).

      v) Conclusão preliminar

      Das dezenove ocorrências da palavra “jejum” e suas derivadas num contexto de ensino, vimos que apenas uma destas referências refere-se ao período em que nós vivemos, e simplesmente reconhece que alguns cristãos naquela época jejuavam. Se contrastarmos isto com as palavras do Senhor Jesus, quando disse que não fazia sentido Seus discípulos jejuarem enquanto Ele estava com eles, podemos concluir, por enquanto, que o jejum não é algo importante para esta Dispensação em que vivemos.

      Mas resta ainda considerar os exemplos mencionados acima.

      Exemplos de jejum no NT

      Os seis exemplos de jejum no NT se dividem em dois grupos de três: os três primeiros referem-se à Velha Aliança, e os últimos três referem-se à Nova Aliança. Visto que os primeiros três não tem relação direta com o assunto deste estudo, basta mencioná-los: Ana (Lc 2:37), o Senhor Jesus (Mt 4:2), e o fariseu (na parábola de Lc 18:12).

      O exemplo de Cornélio (At 10:30) também não serve para nos guiar, pois Cornélio nem era convertido quando jejuou. Pode ser que ele aprendeu sobre o jejum com os judeus (dos quais era amigo; At 10:22); mas sua prática tem mais a ver com uma busca religiosa da verdade por um incrédulo, do que com o serviço inteligente de um salvo.

      Restam apenas os exemplos de Paulo e Barnabé; primeiramente com outros irmãos em Antioquia (At 13:1-3), e depois em outras igrejas no final da viagem que começou no cap. 13 (At 14:23). Um elemento em comum nestes dois exemplos é que o jejum está intimamente ligado à oração: “Então, jejuando e orando …” (At 13:3); “… orando com jejuns …” (At 14:23).

      Estes exemplos são importantes; mas não podemos deixar de perceber o contraste com outras atividades no Novo Testamento, como a oração, por exemplo. Se temos três exemplos de jejum no livro de Atos e um nas epístolas (I Co 7:5), lemos de oração quase cem vezes nesta parte da Bíblia. O contraste é impressionante, e não pode ser ignorado.

      Também precisamos destacar a ocasião destes exemplos. Ambos ocorreram por ocasião da primeira viagem de Paulo, que foi provavelmente no ano 48 a.D. Esta viagem foi feita antes de qualquer uma das epístolas do NT terem sido escritas, quando as igrejas locais ainda estavam na sua infância, e quando alguns elementos do judaísmo ainda permaneciam entre os salvos. Cerca de dez anos depois disto (por volta do ano 58 a.D.), lemos de “milhares de judeus que creem, e todos são zeladores da Lei” (At 21:20). Estes exemplos provavelmente indicam a demora dos judeus salvos em abandonar todas as práticas do judaísmo. Um judeu não teria tanta dificuldade para abandonar o Templo e os sacrifícios de animais; mas outros aspectos da Lei (como a circuncisão, o dízimo, o jejum) demoraram muito mais para serem deixados de lado (até mesmo por cristãos esclarecidos como Paulo, conforme o exemplo já citado do seu voto no cap. 21 de Atos).

      Concluindo

      Temos considerado, neste breve estudo, todas as referências ao jejum no NT, e descobrimos que, referente a esta Dispensação em que vivemos, encontramos:

      • Apenas um trecho doutrinário que menciona o jejum (I Co 7:5), e isto indiretamente;
      • Apenas dois exemplos de cristãos jejuando (At 13:1-3 e 14:23) — ambos ocorridos no ano 48 a.D., antes do Novo Testamento ser escrito, e antes do judaísmo ser completamente desarraigado do meio da Igreja.
      • Nenhuma exortação nas epístolas sobre o ato de jejuar, ou sobre o significado ou importância deste ato.
      • Uma profecia (Mt 9:15) feita pelo Senhor Jesus que indica que, nestes dias presentes, não temos razão para jejuar (pois o esposo está conosco todos os dias, até a consumação dos séculos).

      Diante destes fatos, concluímos que o jejum não pertence a esta Dispensação em que vivemos. No seu sentido original (o ato de abster-se de alimentos como um exercício religioso; isto é, como uma forma de agradar a Deus), ele não tem nenhum valor nesta Dispensação, e os cristãos desta época da Igreja não devem jejuar meramente como um exercício religioso.

      Há, porém, outra forma de entender a palavra “jejum”: o ato de abster-se de alimentos (ou outras coisas lícitas e necessárias) por algum tempo, para não atrapalhar algum serviço espiritual. Creio que esta forma de jejum (se dermos à palavra este sentido secundário) não só é lícito, como é proveitoso. Duas vezes lemos que o Senhor Jesus e Seus discípulos estavam tão ocupados ajudando os outros que “não tinham tempo para comer” (Mc 3:20 e 6:31). A expressão “orando com jejuns” em Atos 14 também indica isto, e sugere algo que muitos cristãos fazem regularmente: abrir mão de alimento (ou descanso, ou outra coisa necessária) porque há serviço para o Mestre que precisa ser feito urgentemente. Quantas irmãos e irmãs (principalmente nestes dias corridos em que vivemos) já abriram mão do jantar para poderem ir à reunião depois do trabalho num dia de semana; ou usaram a hora do almoço para visitar um enfermo, distribuir folhetos, ou conversar com um colega de escola ou trabalho que está interessado no Evangelho. Quantos irmãos e irmãs se entregam de tal forma à oração, que não tem tempo para comer (como o Senhor em Marcos caps. 3 e 6).

      Se chamarmos esta entrega de “jejum”, certamente é algo do qual precisamos mais. Mas creio que o Novo Testamento deixa bem claro que o jejum, como mero exercício religioso, não tem valor nesta Dispensação.

      Em terminar, preciso reconhecer que há irmãos piedosos e tementes a Deus que creem que o cristão deve jejuar ainda hoje. Fazem isto sinceramente diante do Senhor, e seguindo as orientações dadas no Sermão da Montanha (lavando o rosto para não parecer aos homens que jejuam — Mt 6:16-18). Respeito a convicção deles e não os julgo, mesmo ao repartir minha convicção neste pequeno artigo.

      P.S. (19 Fev 2014). Acrescento abaixo um parágrafo sobre este assunto, extraído do Comentário Ritchie sobre o livro de Zacarias. O autor destas palavras é o irmão John Stubbs:

      Sobre o assunto de jejuns, talvez seria bom considerar a pergunta se os cristãos hoje devem jejuar. Em primeiro lugar, não há ensino no Novo Testamento exigindo que os salvos jejuem, individual ou coletivamente. Isso não quer dizer que um salvo não possa jejuar. Eles jejuaram na igreja em Antioquia (At 13:3). Pode haver tempos quando o cristão considera conveniente disciplinar-se desta maneira para que possa ser mais devotado ao Senhor, em algum exercício espiritual. Abster-se de comer, ou de outras coisas legítimas, pode ajudar um cristão, mas não necessariamente outro. Se um cristão jejua, seria errado exigir que outros também jejuem. O Senhor Jesus ensinou que se o jejum for observado, deve ser feito sem nenhuma ostentação (Mt 6:16-18). Um ponto importante que devemos lembrar é que, quer seja nacional, na igreja, ou pessoal, o jejum em si mesmo não tem virtude alguma.

      © W. J. Watterson

      Saturday, 7 December 2013

      O que Deus dirá de você?

      Ao examinar as ocorrências da palavra grega martureo (nº 3140 no dicionário Strongs; significa “testificar”, “recomendar”), vemos que o Espírito Santo apresenta um retrato muito interessante de Deus testificando a respeito de Seus servos. Esta palavra é usada na Bíblia toda setenta e nove vezes; homens testificam de homens, Deus testifica de Seu Filho, etc. Mas somente três vezes ela é usada para falar de Deus testificando de algum ser humano. E nestas três ocorrências vemos o servo de Deus quanto ao passado, o presente e o porvir.

      O passado (At 15:8) — aptidão

      Quando Deus salvou os gentios na casa de Cornélio, Pedro disse que “Deus lhes deu testemunho, dando-lhes o Espírito Santo, assim como também a nós; e não fez diferença alguma entre eles e nós, purificando os seus corações pela fé”. Ao lhes dar o Espírito Santo, Deus reconhecia publicamente, perante o preconceito judaico, que os gentios estavam aptos a servir ao Deus de Israel.

      Sendo salvo, posso olhar para trás, para o dia da conversão, e agradecer a Deus por ter me dado o direito e a aptidão necessários para servi-lO. De servo do pecado, fui transformado em servo de Deus, e agora estou apto a servir ao Senhor.

      O presente (At 13:22) — aspiração

      Depois de Saul, o homem segundo coração do povo, Deus apresentou o Seu rei, o homem segundo o Seu coração, Davi, e “deu testemunho, e disse: Achei a Davi, … que executará toda a Minha vontade”. Ao escolher Davi, Deus declarou publicamente que este homem tinha o desejo sincero de fazer toda a vontade de Deus. Ele não era perfeito (o relato da Bíblia deixa isto bem claro), mas o anelo da sua alma, o anseio do seu coração e a aspiração deste servo era fazer toda a vontade de Deus.

      Tenho o direito de servir a Deus: será que tenho, como Davi, o desejo?

      O porvir (Hb 11:4) — aprovação

      Depois que Abel morreu, Deus inspirou o escritor da epístola aos Hebreus a registrar o testemunho de Deus quanto aos dons de Abel (isto é, quanto àquilo que Abel ofereceu a Deus). Abel morreu, mas depois de morto, ele ainda fala. Deus publicamente testificou que o sacrifício de Abel, fruto da sua fé, foi aprovado e recebido por Ele.

      Um dia o Senhor irá avaliar o meu serviço também. Ele, que me deu o direito de servi-lO, que sabe se tenho ou não o desejo de servi-lO, Ele irá dizer se tive ou não discernimento ao servi-lO. Ele provará o serviço que fiz para Ele pelo fogo da Sua Palavra (I Co 3:10-15); qual será o resultado?

      Ele me fez apto para este serviço; Ele é a inspiração para a minha fraca aspiração; que Ele possa aprovar o meu e o seu serviço naquele dia, dando testemunho dos nossos dons.

      © W. J. Watterson

      O ministério das irmãs

      Ministério das Irmãs I Co 11:3; 14:34-35 a) Sua posição A posição das servas de Deus é apresentada com muita c...