Sunday, 26 July 2020

Meditações na quarentena (20 a 50)

Maio

Desde o dia 21 de Março de 2020 a igreja local em Pirassununga está impossibilitada de reunir publicamente, devido à quarentena decretada no estado de São Paulo. Durante este período tenho enviado aos irmãos e irmãs da igreja local pequenas mensagens de texto para nosso ânimo mútuo. Postarei estas mensagens abaixo — talvez ajudem mais alguém.

Sexta-feira, 01/05/2020

Não julgues — Meditações 20

Com muitos pensamentos soltos e desconexos hoje, lembrei de uma poesia antiga baseada em Mateus 7:1-5, traduzida do inglês a mais de 25 anos.

Que Deus abençoe e fortaleça cada um que ler estas palavras.

Não julgues
Não critiques o homem que tropeça,
Que vai mancando, arqueado,
A não ser que conheças as suas dores
Ou já tenhas carregado o seu fardo.
Pode ser que haja calos em seus pés
Que ele não mostrou a ninguém;
Ou (quem sabe!) o seu fardo em tuas costas
Não te faria tropeçar também?

Não zombes do homem que está caído
A não ser que o mesmo golpe te atingiu,
Ou que conheças a humilhação
Que só conhece quem já caiu.
Talvez sejas forte, mas … quem sabe,
Se o inimigo viesse te atacar
Da mesma forma, nas mesmas circunstâncias …
Tais golpes não poderiam te derrubar?

Não apedrejes o homem que pecou
Como se fosses incapaz de errar,
A não ser que tenhas total certeza
De seres perfeito em teu andar.
Se o tentador viesse sussurrando,
Como fez com teu irmão,
Será que tu (às vezes descuidado!)
Não cairias nesta mesma transgressão?



Sábado, 02/05/2020

Sede agradecidos — Meditações 21

Lemos estas palavras em Colossenses 3:15, que parecem um eco de I Tessalonicenses 5:18 (um dos últimos estudos que tivemos antes de suspender as reuniões). Realmente é muito animador agradecer mesmo quando as coisas não vão bem.

Creio que nenhum de nós está satisfeito com a presente situação. Mas podemos encontrar muitos motivos para agradecer (mesmo sem procurar muito):

• Mesmo de quarentena, podemos manter contato virtual com quem amamos (irmãos nossos que sofreram em pandemias em séculos passados não tiveram esse privilégio);

• Estamos “isolados”, até certo ponto — mas no conforto das nossas casas com nossas famílias, não numa prisão como Paulo e tantos outros;

• Ainda temos liberdade de ler as Escrituras (e muitos de nós estão com mais tempo que o normal para isso);

• E mesmo que perdêssemos tudo isso, ninguém pode tirar de nós a certeza de uma eternidade na presença de Deus.

Paulo e Silas oravam e cantavam hinos numa prisão, com as costas sangrando dos açoites e os pés presos no tronco.

Que Deus nos ajude hoje a sermos agradecidos.


Domingo, 03/05/2020

A Si mesmo — Meditações 22

Os persas contam uma história interessante envolvendo um de seus imperadores. Sendo um homem muito sábio e bondoso, ele costumava se disfarçar de um pobre mendigo e passar tempo com seus súditos, procurando conhecer melhor as condições em que eles viviam.

Nestas suas aventuras, ele conheceu um pobre velho que era responsável por manter acesa a fornalha que alimentava o sistema de aquecimento do palácio do imperador. Na primeira vez que o imperador desceu até o porão isolado onde o velho trabalhava, ficou chocado com as circunstâncias tão opressivas daquele ambiente quente e esfumaçado. Passou um bom tempo conversando com o velho, sem revelar sua identidade. Na hora do “almoço”, o velho insistiu com seu novo amigo para repartir a simples refeição — um pedaço de pão duro e um pouco de chá. Após comerem, o imperador despediu-se e foi embora.

Pouco dias depois voltou — sentia-se comovido com a situação do velho, e decidiu que iria ajudá-lo, assim que conhecesse melhor as suas necessidades. E assim continuou visitando o velho, passando tempo com ele naquele ambiente terrível, conversando e comendo juntos.

Até que um dia o imperador revelou sua verdadeira identidade ao velho: “Eu sou seu imperador. Fiquei comovido com sua situação, e quero ajudá-lo. O que você deseja?”

O velho, atônito e comovido, não conseguiu conter as lágrimas. Quando se recompôs, disse: “Meu senhor, eu não quero nada! Na verdade, não há mais nada que o senhor possa fazer por mim. O senhor já me deu aquilo que é mais precioso — o senhor se deu a si mesmo! Passando tempo comigo, comendo a minha comida, o senhor me enobreceu acima do que eu poderia sonhar. Tendo toda a riqueza da Pérsia ao seu dispor, o senhor perdeu tempo vindo conversar comigo! Que mais eu poderia querer?”

Não sei se é verdade ou lenda — mas esta história tão interessante ilustra uma verdade incomparavelmente mais preciosa. Ela nos faz lembrar do Criador dos Céus e da Terra, e da Sua condescendência. O Céu é o Seu trono, e a Terra é o escabelo [apoio para os pés] dos Seus pés (Is 66:1) — mas Ele dormiu numa manjedoura! Todos os anjos de Deus O servem e adoram (Hb 1:6) — mas Ele veio construir camas, cadeiras e mesas numa carpintaria na rude Nazaré! Ele é santo, inocente, imaculado, separado dos pecadores (Hb 7:26) — mas permitiu que estes O pregassem numa horrível cruz! Ele deixou a glória dos Céus e veio “buscar e salvar o que se havia perdido” (Lc 19:10). “O Filho de Deus me amou, e a Si mesmo Se entregou por Mim” (Gl 2:20).

Creio que nenhum de nós consegue avaliar o quanto somos privilegiados por conhecê-lO. Paulo considerou como refugo tudo que lhe era mais precioso “por causa da sublimidade do conhecimento de Cristo Jesus meu Senhor” (Fp 3:8). Ah, quem me dera medir as coisas desta forma. Quem me dera poder dizer: “Senhor, que mais posso pedir de Ti? Tu já me deste o que é mais valioso — Tu já Te deste a Ti mesmo por mim! Se eu tenho a Ti, que mais eu poderia querer?”

“Rica verdade, Jesus é meu!
Crucificado por mim morreu.
Já ressurgido, junto com Deus,
Vive por mim na glória dos Céus”
(H. e C. 352)


Veja Salmo 73:25.


Segunda-feira, 04/05/2020

Paciência — Meditações 23

“Ora, o Senhor encaminhe os vossos corações no amor de Deus, e na paciência de Cristo” (II Ts 3:5).

Ontem ouvi um irmão falando sobre este versículo e “a paciência de Cristo”. Como precisamos aprender sobre isto, principalmente nestes dias! Queremos tudo resolvido, tudo de volta ao normal — mas o que será que Deus quer?

Outro irmão comentou: “Já parou para pensar que talvez nunca mais iremos reunir como igreja? Cristo pode voltar hoje, e talvez nem veremos o fim dessa quarentena — estaremos no Céu!” Que pensamento glorioso!

Por outro lado, pode ser a vontade de Deus que saiamos dessa situação para servi-lO por muitos anos ainda. Realmente, não sabemos — mas Ele sabe!

E o que fazer? Clamar a Ele por sabedoria para entender a Sua vontade, e paciência para esperarmos até vermos o livramento do Senhor (Êx 14:13).

Que Deus encaminhe os nossos corações na paciência de Cristo. Amém.


Terça-feira, 05/05/2020

Contristados — Meditações 24

“Bendito seja o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo que, segundo a Sua grande misericórdia, nos gerou de novo para uma viva esperança pela ressurreição de Jesus Cristo dentre os mortos, para uma herança incorruptível, incontaminável, e que não se pode murchar, guardada nos Céus para vós que mediante a fé estais guardados no poder de Deus para a salvação, já prestes para se revelar no último tempo, em que grandemente vos alegrais, ainda que agora importa, sendo necessário, que estejais por um pouco contristados com várias provações, para que a prova da vossa fé, muito mais preciosa do que o ouro que perece e é provado pelo fogo, se ache em louvor, e honra, e glória, na revelação de Jesus Cristo; ao qual, não O havendo visto, amais; no qual, não O vendo agora, mas crendo, vos alegrais com gozo indescritível e glorioso” (I Pedro 1:3-8).

Nós certamente amamos nosso Senhor, mesmo “não O havendo visto”, e faríamos qualquer coisa para demonstrar nossa gratidão — tenho certeza disso. E é justamente por isso que o trecho citado acima é tão importante, pois ele mostra como a nossa fé pode produzir “louvor, e honra, e glória” para nosso Senhor quando Ele voltar (na Sua revelação).

Como é que isso acontece? O texto é categórico: para que a minha fé redunde em louvor e honra e glória ao Senhor, é necessário que ela seja provada. Ela não pode ser apenas algo teórico, que aprendi de meus pais — eu preciso ver do que ela é capaz!

E como será essa “provação”? Uma pequena frase no meio desta longa oração explica: “sendo necessário que estejais por um pouco contristados com várias provações”.
  • Repare que ser provado é necessário, não opcional;
  • É por um pouco — logo passará;
  • São várias provações — não uma prova só;
  • E é necessário que sejamos contristados pelas provações.
É este último ponto que gostaria de ampliar um pouco. Há provações que “tiramos de letra”, sem problema algum; mas há outras provações que nos levam ao fim das nossas forças. Essas são as mais úteis e eficazes.

Muitos salvos novos tem a impressão romântica de que todo cristão sempre canta louvores a Deus, mesmo na pior provação (como Paulo e Silas na cadeia); mas não podemos esquecer que Paulo disse aos coríntios: “fomos sobremaneira agravados mais do que podíamos suportar” (II Co 1:8). O grande Elias clamou pedindo a morte (I Rs 19:4), e mesmo Jó (o grande exemplo de sofrimento), que no início do livro mostrou quão forte era a sua fé, desanimou com o passar dos dias.

Para que eu esteja em condições de louvar a Deus como Ele deseja, é necessário que minha fé seja provada — e algumas vezes a prova será tão intensa que ficarei contristado, até o ponto de chorar na presença de Deus e dizer: “Senhor, não aguento mais; ajuda-me!”

Talvez alguém que lê estas palavras sente-se contristado — confie em Deus, que está vigiando a fornalha e sabe a hora certa de trazer o livramento. Alegre-se na expectativa de poder louvá-lo melhor depois destas experiências. Entenda que é necessário que seja assim, mas é por pouco tempo.


Quarta-feira, 06/05/2020

Deus é fiel — Meditações 25

A pequena meditação de ontem falando sobre a necessidade não só de sermos provados, mas de sermos contristados pelas provações, fez alguém lembrar de I Coríntios 10:13: “Não veio sobre vós tentação, senão humana; mas Deus é fiel, e não vos deixará tentar acima do que podeis, antes com a tentação dará também o escape, para que a possais suportar.”

Se em I Coríntios Paulo afirma que Deus, na Sua fidelidade, não permitirá uma tentação que eu não possa suportar, como ele diz em II Coríntios que foi provado “mais do que podíamos suportar” (1:8)? É uma contradição? Precisamos aceitar um dos trechos e ignorar o outro?

Cremos na perfeição das Escrituras — portanto, procuramos uma forma de entender o que os dois trechos estão dizendo. E fazendo isto, podemos ver “os dois lados da moeda”.

Se eu considero a intensidade das provações, preciso entender que não terei apenas provas simples e fáceis. Algumas vezes serei contristado com provações que são maiores do que a minha força — mais do que eu consigo suportar (II Co 1:8).

Por outro lado, se considero a finalidade dessas provações, preciso lembrar de I Co 10:13 — quando Deus envia uma provação Ele “dará também o escape, para que a possais suportar”.

Deus é fiel, e não permitirá que sejais tentados além do que possais suportar. “Quer dizer”, diz alguém, “que eu só terei provas simples?” Não, algumas delas serão terríveis, e você logo descobrirá que não tem, em si mesmo, poder para suportá-las. “Quer dizer que uma provação dessas pode destruir a minha fé?” Não, pois Deus é fiel — sempre haverá um livramento, uma porta de escape. Você não está sozinho na prova — você não precisa suportar o peso sozinho! “Ainda que eu ande pelo vale da sombra da morte, não temerei mal nenhum porque Tu estás comigo”!

Que possamos ser animados no Senhor em toda prova e tribulação, confiando sempre nEle.


Quinta-feira, 07/05/2020

Vê-lo-ei — Meditações 26

Numa das passagens mais preciosas do livro de Jó, vemos um pouco da fé deste grande homem. Ele disse: “Porque eu sei que o meu Redentor vive, e que por fim se levantará sobre a terra. E depois de consumida a minha pele, contudo ainda em minha carne verei a Deus. Vê-lO-ei, por mim mesmo, e os meus olhos, e não outros O contemplarão; e por isso as minhas entranhas se consomem no meu interior” (Jó 19:25-27).

Você já pensou na glória que será ver o nosso Senhor? Como disse Jó, por mim mesmo — os meus olhos, e não outros O contemplarão! Simeão viu o Senhor na forma de um pequeno Bebê de 40 dias, e estava satisfeito — não queria ver mais nada: “Despede agora em paz o Teu servo, pois os meus olhos já viram a Tua salvação!” (Lc 2:30). Imagine vê-lO na glória da Sua divindade; contemplar Suas mãos e Seus pés, traspassados por amor de nós. João diz que nós O veremos assim como Ele é (I Jo 3:2) — que expectativa bendita!

Enquanto aguardamos aquele dia (talvez seja hoje!) que possamos já ir treinando nossa vista. Quantas coisas horríveis nossos olhos já viram — quanta podridão! Que seja conosco como foi com três de nossos irmãos no passado: “Abrindo os olhos, ninguém mais viram senão só Jesus” (Mc 9:8).


Sexta-feira, 08/05/2020

Palavras estrangeiras — Meditações 27

A Bíblia foi escrita em Hebraico (o Velho Testamento) e Grego (o Novo Testamento — se bem que há algumas exceções a esta regra). Quando lemos a Bíblia em Português encontramos estes idiomas traduzidos para nós; a não ser por algumas palavras avulsas (geralmente nomes geográficos) que os tradutores decidiram transliterar (“escrever usando palavras correspondentes em outra língua”) ao invés de traduzir (“expressar o sentido em outra língua”).

Considere três exemplos de palavras estrangeiras que não foram traduzidas nas nossas Bíblias em Português. Elas resumem uma vida vivida em comunhão com Deus.

O passado: Ebenézer (“pedra de ajuda”, I Sm 7:12). Samuel disse: “Até aqui nos ajudou o Senhor”. O nome dado à pedra era um testemunho à fidelidade de Deus em ajudar Seu povo no passado.

O presente: Mispá (“torre de vigia”, Gn 31:49). Labão e Jacó reconheceram que o Senhor estaria constantemente atentando (ou vigiando) sobre eles e entre eles (nenhum dos dois confiava no outro).

O futuro: Maranata (“Vem, Senhor!”, I Co 16:22). Esta epístola termina como a Bíblia termina, apresentando a vinda do nosso amado Senhor como nossa esperança, e Sua graça como nossa porção.

Ao contemplarmos o passado vemos a fidelidade de um Pai amoroso e terno, carregando-nos nos braços de um grande Salvador pelo poder do Espírito Santo. É certo que as águas não foram sempre calmas! Muitas foram as dificuldades, profundos foram os vales, assustadoras foram as tempestades, tristes foram os desertos e a solidão; mas Ebenézer! Até aqui nos ajudou o Senhor! Veja Sl 34:19.

Ao olharmos em redor hoje, lembremos que o Senhor está atento a tudo na nossa vida. Pense na graça e na glória envolvidas nisso. Considere a segurança e a solenidade de estar constantemente sob o Seu olhar! Seja a vossa moderação conhecida de todos, mas não andeis ansiosos quanto ao dia de amanhã (Fp 4:5-6). Lembre de Mispá — o Senhor está atento!

Ao tentar penetrar nas trevas que estão adiante, só vemos esta gloriosa esperança, brilhando com aquele frescor de beleza que só as verdades eternas possuem: Maranata! O Senhor está voltando! “Amem! Ora vem, Senhor Jesus!” (Ap 22:20).

Ebenézer: Ele me trouxe até aqui; Mispá: Ele me guiará seguro hoje; Maranata: Ele vem me levar ao lar!


Sábado, 09/05/2020

Profanando o sagrado — Meditações 28

Há dois episódios na história de Israel em que Deus profanou coisas sagradas — episódios que qualquer judeu acharia impossível acontecer (mas aconteceram).

O primeiro está em I Samuel 4, quando os filisteus levaram a arca para o seu território (uma notícia tão trágica para o sacerdote Eli que provocou a morte dele). O segundo foi cerca de 500 anos depois, quando o Templo todo foi destruído por Nabucodonosor e seus utensílios sagrados levados para a Babilônia (Deus cumpriu o que profetizara poucos anos antes: “Eu profanarei o Meu Santuário”, Ez 24:21).

Como Deus permitiu que a arca, e depois o Templo todo, fossem profanados dessa forma? E por quê?

Em ambos os episódios vemos que o povo de Israel se gloriava mais nestas coisas do que em Deus. Em I Samuel, assustados com o inimigo, não pensaram em clamar a Deus. Disseram (literalmente): “Tragamos de Siló a arca ... para que ELA nos livre da mão de nossos inimigos”. Em Ezequiel 24 Deus mesmo diz que o Templo era “a glória da vossa força, o desejo dos vossos olhos, e o anelo das vossas almas”.

Estas coisas eram sagradas — mas só tinham valor porque representavam a presença de Deus entre eles. Se Israel engrandeceu tanto estas coisas a ponto de esquecer de Deus, Deus (com pesar) destruirá aquilo que Ele mesmo instituiu.

Conversando hoje por telefone com um irmão de outro estado, ele disse sobre a situação que estamos vivendo: “Está sendo difícil, mas proveitoso. As lições estão aí!” E comecei a pensar sobre o que Deus quer me ensinar com essa crise.

Será que eu vivia como Israel? Será que era mais importante para mim estar presente na Ceia do que lembrar do Senhor? Mais importante estar presente na reunião de oração do que orar a Deus sempre, em cada situação? Mais importante abrir o salão no Domingo à noite e pregar o Evangelho do que realmente viver o Evangelho?

Não me entendam mal. Continuo achando que estar presente em todas as reuniões da igreja local é o mínimo que posso fazer — mas será que transformei isso no “tudo”, não mais no “mínimo”? Estou há 50 dias sem poder reunir com a igreja — será que penso que não há nada que eu possa fazer para servir a Deus nessa situação? Será que caí no erro (tão fácil de ser cometido) de transformar algo sagrado em um ídolo?

A igreja local é sagrada (I Co 3:17), e suas reuniões merecem meu apoio irrestrito — mas ela não é Deus. Não posso reunir com a igreja hoje — mas posso servir a Deus. É Ele que importa. Sem Ele, não tenho nada — com Ele, tenho tudo!


Domingo, 10/05/2020

Tão só! — Meditações 29

“E, chegada já a tarde, estava ali só” (Mt 14:23).

Todos nós temos sofrido com o isolamento destes últimos dias — mas mesmo assim, não conseguimos sequer imaginar a solidão que nosso bendito Senhor suportou por nós.

Houve o isolamento afetivo no Seu lar em Nazaré. Já havia sido profetizado: “Tenho me tornado um estranho para com meus irmãos, e um desconhecido para com os filhos de minha mãe” (Sl 69:8), e assim aconteceu, “porque nem mesmo Seus irmãos criam nEle” (Jo 7:5). Como é comovente isto. O Criador passou 30 anos em Nazaré na mesma casa com Tiago, José, Judas, Simão e Suas irmãs (Mc 6:3) — mas Ele era um estranho para eles. Quando começou a pregar, Seus irmãos disseram: “Está fora de Si!” (Mc 3:21). Há poucas coisas mais frustrantes do que conviver com pessoas que não te compreendem! Tente imaginar a decepção de ser chamado de louco por aqueles que foram criados na mesma casa que você! Talvez repartiram a mesma cama (afinal, eram uma família pobre), os mesmos brinquedos, a mesma comida — mas no meio de uma família numerosa, Ele cresceu tão só!

Houve o isolamento físico, como no versículo citado no início. Ele tornou-Se um pregador conhecido, e multidões O seguiam. Mas ao final de um dia cansativo, cada um ia para a sua casa e sua família — meu Senhor retirava-Se para o monte, tão só!

Houve o isolamento emocional, quando Ele “apartou-Se deles cerca de um tiro de pedra” (Lc 22:41) no Getsêmani, “e começou a ter pavor e a angustiar-Se” (Mc 14:33). Quão profunda foi a Sua angústia naquela hora — mas não havia ninguém na Terra para repartir Sua dor. Os doze estavam mais longe, e até os três mais íntimos (Pedro, Tiago e João) estavam dormindo. O Senhor desceu até o vale da sombra da morte só — tão só!

Mais que tudo, houve o isolamento espiritual quando Ele foi desamparado até por Deus lá na cruz. Poucas horas antes Ele havia dito para os discípulos: “Eis que chega a hora em que vós Me deixareis só; mas Eu não estou só, porque o Pai está comigo” (Jo 16:32). Todos O abandonariam, menos Deus! Mas agora chegou a hora de cumprir a profecia de Zacarias: “Ó espada, desperta-te contra o Meu pastor, e contra o Homem que é o Meu companheiro” (13:7). O Senhor, sozinho, pagou o preço do meu pecado, colocando-se entre Deus e os homens para suportar o golpe da terrível espada da justiça de Deus. Isso é isolamento e solidão!

A tempestade já passou; agora Ele contempla, satisfeito, o “fruto do penoso trabalho da Sua alma” (Is 53:11), e diz: “Eis-Me aqui a Mim, e aos filhos que Deus Me deu” (Hb 2:13). Mas temos o dever de nunca esquecer o quanto Ele foi desamparado por nós. Ele veio nascer, viver e trabalhar entre pessoas que não O compreendiam. Saiu pregando e curando multidões que não O aceitavam. E o tempo todo Ele sabia que caminhava, sozinho, para a cruz, para morrer só — tão só!

“Mas em meu coração, ó Cristo, Tenho sempre lugar para Ti”


Segunda-feira, 11/05/2020

Temor de Deus — Meditações 30

“O temor do Senhor é o princípio da sabedoria”. Com ligeiras variações de tradução, esta verdade se encontra nos três primeiros livros da parte poética da Bíblia: Jó (28:28), Salmos (111:10) e Provérbios (1:7, 9:10). Sendo repetida desta forma, percebemos sua importância. Mas o que ela significa?

Primeiro, podemos afirmar que “o temor fo Senhor” NÃO significa que tememos alguma mal que Ele possa nos fazer. Afinal, I João 4:18 diz que o verdadeiro amor lança fora o temor. Nós cremos no amor de Deus, por isso confiamos nEle — não temos medo de nosso Pai.

Nos contextos citados no início, “temor” não significa “medo, pavor”, mas “respeito, reverência”. Não é contrário ao amor (como o medo é), mas é fruto do amor. Tememos a Deus porque Ele é grande, sim — mas mais do que isso, tememos a Deus porque Ele cativou nosso amor!

Certo dia Deus disse a Abraão: “Agora sei que temes a Deus, e não Me negaste teu filho, teu único filho” (Gn 22:12). Eis a grande prova de que há temor de Deus no coração: não negar nada a Deus! Dar a Ele o primeiro lugar sempre, e literalmente.

Somos sábios? Tememos a Deus?


Terça-feira, 12/05/2020

Salmo 23 (a) — Meditações 31

Há poucas frases da Bíblia mais conhecidas do que aquela que inicia este Salmo:

“O Senhor é o meu Pastor, nada me faltará!”

Escrevendo sobre estas palavras, H Smith pergunta: “Você já disse a Ele que Ele é o seu Pastor?” O mundo inteiro deveria saber que Ele é “o Pastor”; todo salvo reconhece que Ele é “meu Salvador”; mas podemos dizer de coração: “O meu Pastor é o Senhor!” Estamos seguindo os Seus passos? Sabemos por onde Ele anda, para poder segui-lO?

Conta-se a história de um famoso ator de teatro que divertiu sua plateia recitando poemas famosos. Dominando perfeitamente a arte da oratória, ele impressionou a todos que o ouviam.

Para encerrar, perguntou se alguém na plateia tinha um texto predileto, e um senhor idoso perguntou se seria possível recitar o Salmo 23. Meio contrariado, o ator disse: “Eu concordo, com uma condição; quando eu terminar o senhor também terá que recitar o mesmo Salmo”.

O velho concordou, e o ator então pediu uma Bíblia e leu o Salmo 23. Sua voz agradável, com dicção e entonação perfeitas, impressionaram a todos, que o aplaudiram de pé, entusiasmados.

Quando todos se sentaram, o velho salvo começou, com voz rouca e insegura: “O Senhor é o meu Pastor, e nada me faltará...” Esquecendo-se da plateia, continuou, citando de cabeça as palavras tão sublimes desse Salmo. Falava com o coração e a alma!

Ele se sentou, e houve silêncio — um silêncio reverente e solene. O famoso ator, que fora criado por uma mãe temente a Deus e era conhecedor da verdade, dirigiu-se à plateia com a voz embargada: “Meus amigos, a reação de vocês mostra a diferença que existe entre este nobre senhor e eu. Eu conheço o Salmo do Pastor — mas eu percebo que ele conhece o Pastor!”

Irmãos e irmãs, que Deus nos ajude a conhecer o Senhor Jesus como o Bom Pastor que dá a Sua vida pelas ovelhas (João 10:11), o Grande Pastor que ressuscitou dentre os mortos (Hb 13:20), e o Sumo Pastor que está voltando com coroas para os Seus (I Pe 5:4). Mas principalmente, que eu possa dizer ao Senhor, no segredo da Sua presença: “Tu és o meu Pastor — nada me faltará!”


Quarta-feira, 13/05/2020

Salmo 23 (b) — Meditações 32

Há diversos aspectos do cuidado do Bom Pastor revelados neste Salmo.

a) “O Senhor é o meu Pastor, nada me faltará”. Em primeiro lugar lemos das necessidades diárias da nossa condição humana. Para sobreviver precisamos de alimento, vestuário, etc. De onde virão estas coisas? Repare que o Salmista não diz: “Tenho um ótimo emprego; nada me faltará”; nem “Tenho muitos amigos; nada me faltará”; ou “Tenho muita força e disposição para trabalhar; nada me faltará”. É verdade que Deus muitas vezes usa estes meios para suprir as nossas necessidades — mas estes são MEIOS, não a fonte do nosso sustento. O Salmista diz: “O Senhor é o meu Pastor; nada me faltará!” Estando com Ele, as coisas necessárias serão supridas.

b) “Deitar-me faz em verdes pastos”. Além das necessidades temporais, temos necessidade de alimento espiritual. As artes humanas (músicas, filmes, jogos, comida saborosa, pensamentos elevados) fornecem alimento ilusório e passageiro para o nosso homem interior, mas só o Pastor nos conduz aos “verdes pastos” (alimento fresco e saudável), e nos faz deitar ali (isto é, nos satisfaz plenamente). Como H Smith enfatiza, a ovelha só deita no meio do pasto verdejante quando já comeu e está satisfeita. O alimento espiritual que o Senhor fornece é capaz de saciar nossa fome e nos fazer deitar e descansar.

c) “Guia-me mansamente a águas tranquilas”. Águas turbulentas e barulhentas são rasas e cheias de pedras — águas tranquilas são águas profundas. “O Pastor acalma nossas almas e sacia a sede dos nossos espíritos com as coisas profundas de Deus, muito superiores às discussões barulhentas e rasas que ocupam os homens, e muitas vezes distraem o cristão”. O mundo que fique com suas discussões intermináveis, seu rancor e seu ódio — nosso Pastor, com terna mansidão, nos guia para águas tranquilas. Águas que acalmam nosso espírito agitado; águas que refletem nossa imagem, ajudando-nos a conhecer melhor a nós mesmos; águas que nos dão ânimo para continuar mais um dia!

Sim, o Senhor é o meu pastor; nada me faltará!

E assim, um dia de cada vez, aguardamos a Sua volta!


Quinta-feira, 14/05/2020

Salmo 23 (c) — Meditações 33

Os primeiros dois versículos do Salmo mostraram como o Pastor supre as necessidades básicas (temporais), além do alimento espiritual e do refrigério que tanto precisamos. Continuando, lemos de como Ele cuida da ovelha espiritualmente enferma.

d) “Refrigera a minha alma”. A palavra usada aqui quer dizer, literalmente, “restaura, recupera” — e como precisamos desse ministério! Porque, sejamos sinceros: mesmo tendo um Pastor que supre tudo que precisamos, a triste realidade é que somos propensos a nos afastar dEle. Mesmo tendo nEle tudo que nossas almas precisam, buscamos outras fontes, e nossa alma padece!

“Mas alguém, em sã consciência, se afastaria de um Pastor tão bondoso? É impossível!” Lamentavelmente, não é! O Senhor diz: “Espantai-vos disto, ó Céus, e horrorizai-vos! Ficai verdadeiramente desolados, diz o Senhor. Porque o Meu povo fez duas maldades: a Mim Me deixaram, o manancial de águas vivas, e cavaram cisternas rotas, cisternas que não retêm águas” (Jr 2:12-13). Atire a primeira pedra quem não sente a consciência arder ao ler estas palavras!

A minha alma se desvia dEle — mas o Salmo me lembra que Ele restaura a minha alma! Na noite da traição Pedro negou o Bom Pastor, dizendo: “Não conheço esse Homem” (Mc 14:71). Que desvio tremendo; que tristeza! E o Senhor, ao invés de ficar semanas sem falar com Pedro, foi procurá-lo na primeira oportunidade, assim que ressurgiu dentre os mortos (Lc 24:34), e restaurou a alma de Pedro.

Essa é a experiência de todo salvo: Ele não só supre as minhas necessidades temporais e espirituais para que eu nunca precise abandoná-lO — quando eu desvio do caminho, Ele restaura a minha alma!

e) “Guia-me pelas veredas da justiça, por amor do Seu nome”. Eis o complemento perfeito para o pensamento anterior. Eu me desviei — o Senhor me restaurou, levantando-me do chão — e agora? Será que consigo prosseguir nas veredas da justiça? Será que, ao cair, não perdi o rumo para sempre?

Não há motivo para preocupação neste sentido, pois o Pastor, além de restaurar a alma que tropeçou, ainda promete guiar esta alma pelas veredas da justiça. A figura é de alguém que estende a mão para ajudar o caído a levantar, e então lhe diz: “Continue segurando minha mão — vamos caminhar juntos agora, para que você não tropece de novo!”

E como se isso fosse pouco, Ele ainda mostra a base na qual esta ajuda está firmada. Não é por amor de mim; é por amor do Seu nome! Isso não quer dizer que Ele não me ama — o amor dEle é imutável. Ele me ama, sim, mas não é por isso que Ele me guia — é por causa das promessas associadas ao nome dEle!

“E isso faz diferença?”, alguém pergunta. Sim, faz. Isso quer dizer que mesmo que o tentador conseguir me levar a duvidar do amor do Pastor, ainda assim as promessas dEle continuam válidas. Ele prometeu guiar os Seus, e porque Ele nunca nega a Si mesmo Ele vai cumprir esta promessa, aconteça o que acontecer! Se Ele prometesse me guiar enquanto eu O amasse com amor puro, ou enquanto eu fosse digno do Seu amor, quantas dúvidas eu teria! Mas Ele promete me guiar por amor do Seu nome — nisto eu posso descansar!

Não podemos diminuir a gravidade do pecado, ou a seriedade da disciplina divina. Mas quanto mais tempo passamos aqui na Terra seguindo ao Pastor, mais valor damos ao Seu ministério restaurador.

Escrevi demais! Termino citando o último versículo do maior capítulo da Bíblia: “Desgarrei-me como a ovelha perdida; busca o Teu servo, pois não me esqueci dos Teus mandamentos!”

Amém.


Sexta-feira, 15/05/2020

Salmo 23 (d) — Meditações 34

f) “Ainda que eu andasse pelo vale da sombra da morte, não temeria mal algum, porque Tu estás comigo; a Tua vara e o Teu cajado me consolam”.

“O vale da sombra da morte” é uma expressão solene e profunda, que descreve não só a passagem deste mundo para a eternidade, mas tudo aquilo que nos lembra da morte. Um leito de hospital, um velório — qualquer lugar em que a morte lança sua sombra torna-se um lugar sombrio e triste. E a Bíblia nos lembra que o ser humano tem “medo da morte” (Hb 2:15).

O salmista imagina a pior situação que ele poderia enfrentar — não só alguma dificuldade ou contratempo passageiros, mas algo que o levasse a desesperar da própria vida (II Co 1:8). E mesmo nesta situação extrema, diz ele, “eu não temeria mal algum”. Confiante e tranquilo mesmo diante da morte!

“Quer dizer”, diz alguém, “que quem é verdadeiramente salvo não sente nenhum medo quando fica doente, ou num acidente, ou algo parecido?” Na verdade, não é tão simples assim. Mesmo que alguns queiram nos convencer que tudo na vida só tem duas opções e dois extremos, sabemos que as coisas são bem mais complexas. E o mesmo acontece em relação à morte. Quando Pedro achou que iria morrer afogado ele “teve medo … e clamou, dizendo: Senhor, salva-me!” (Mt 14:30). É normal que uma verdadeira ovelha de Cristo, numa situação de perigo, sinta medo — mas o salmista está nos lembrando que a ovelha do Bom Pastor tem condições de dominar este medo, e vencê-lo.

Quando o incrédulo passa pelo vale da sombra da morte ele sente medo da morte — e quanto mais ele pensar sobre sua situação, maior será o seu medo! Ele não tem perspectiva nem esperança alguma! O salvo, porém, sentindo o abraço frio da morte em seu coração, ou chorando por um ente querido que a morte levou, pode ter esperança! A glória futura, a certeza da ressurreição e do lar eterno, e tantas outras coisas o animam e confortam!

Mas nada se compara ao consolo desta verdade: “Tu estás comigo!” Até agora o salmista tem falado de Deus na terceira pessoa — Ele é o meu Pastor; Ele me faz deitar; Ele me guia; Ele restaura a minha alma, por amor do nome dEle. De repente, abraçando carinhosamente a verdade pessoal que ele expressa, ele muda para a segunda pessoa. Não é: “Ele está comigo”, mas: “Tu estás comigo!” E repare também o tempo presente do verbo: não é “Tu estarás”, mas: “Tu estás comigo!”

Imagine Davi recitando este Salmo para seus súditos, descrevendo para eles o cuidado terno do Bom Pastor. Olhando bem nos olhos do povo, ele diz com voz firme e convicta: “Ainda que eu andasse pelo vale da sombra da morte, eu não temeria mal algum …” Uma breve pausa — então ele ergue os olhos ao Céu, e continua com voz submissa e agradecida: “… porque Tu estás comigo; a Tua vara e o Teu cajado me consolam!”

Naquele que é aclamado como o livro de ficção mais vendido da história (A Tale of Two Cities, 1859; Dickens), um dos trechos mais comoventes é o diálogo entre um homem e uma jovem que estão sendo levadas à morte pela guilhotina na Revolução Francesa. Eles não se conheciam, mas enquanto são conduzidos da prisão à guilhotina, a donzela fica impressionada com a calma do homem diante da morte, e diz:

“Quando subirmos para a guilhotina, posso segurar sua mão? Talvez isso me dê coragem também.”

“Sim”, ele responde, “eu seguro sua mão até o fim.”

“Até o fim …”, ela repetiu. E a história descreve como a moça manteve-se tranquila até o fim, por causa da companhia do seu amigo.

Eu tenho medo da morte. Medo que ela leve pessoas que eu amo, medo de como será o processo da minha passagem para a eternidade. Ao mesmo tempo, posso dizer (com fraqueza, sem vanglória): não tenho medo da morte! Porque sei que ela conduz ao Céu; porque sei que ela já foi vencida pelo meu Senhor; mas principalmente, porque sei que Tu estás comigo!

“E se eu chegar à beira desse rio
Que Tu por mim quiseste atravessar;
Com Tua mão segura bem a minha,
E sobre a morte hei de triunfar!”
(H. M. W. — Hinos e Cânticos 393).


Sábado, 16/05/2020

Jesus chorou — Meditações 35

Pretendo voltar e terminar o Salmo 23, se Deus permitir. Mas a leitura destas duas palavras hoje de manhã, apesar de tão conhecidas, me tocou profundamente.

Os capítulos anteriores de João destacam o avanço do mal. No cap. 7 soldados são enviados para prender o Senhor. Nos caps. 8 e 10, os judeus tentam apedrejá-lO. Entre estes dois episódios, os judeus dizem acerca dEle: “Nós sabemos que esse Homem é pecador” (9:24). E agora o lar dos Seus amigos — o oásis no meio do deserto — foi estraçalhado pela morte de Lázaro! Quanta tristeza!

O Senhor estava em controle total daquele situação — mas isso não quer dizer que Ele estava indiferente ao sofrimento dos justos. Quando Ele viu Maria chorando, Ele “moveu-Se muito em espírito e perturbou-Se!” (11:33). E então lemos estas duas palavrinhas: Jesus chorou!

Várias vezes já lamentei uma divisão de versículos que poderia (na minha opinião) ter sido diferente. Mas neste caso, rendo-me ao discernimento do servo (Robert Estienne, século XVI) que deixou estas duas palavras sozinhas. Na minha versão é o menor versículo da Bíblia — e em termos literários, é pequeno demais para ser um versículo!

Mas quando pensamos em quem é “Jesus” — quando pensamos que Ele chorou, comovido com a dor daqueles que Ele amava — entendemos que este é um dos maiores versículos da Bíblia! Estas duas palavras merecem ficar separadas dos versículos anteriores — quase diríamos que poderiam ser um capítulo inteiro!

Não sei o que escrever sobre estas palavras. Mas fico pensando nelas. Não foi Jeremias, o profeta das lágrimas, nem João, o apóstolo do amor — foi “Jesus” quem chorou! Não foi só compaixão ou preocupação — Ele chorou! Em público, diante de Maria e dos judeus!

Que estas duas pequenas palavras, e o oceano de verdade que elas contêm, possam ser como um bálsamo para nossas almas hoje. Amém.

“Por quê?”
Há meses que choro, sem dor,
Abraçando um ermo sombrio
Meus olhos suplicam por calor,
Mas meu sonho é tão frio…

Olhando de longe, eu vejo
Minha vida se quebrando.
As vezes, num breve lampejo,
Um sonho mártir sai vibrando,
Gritando que encontrou a paz;
Mas meus temores, qual vil açoite,
Gritam mais, que não há paz,
E eu me rendo à dor da noite…

E longe (bem longe) alguém me observa,
Confuso, sem saber o que dizer.
Um lindo anjo, puro, observa,
Mas não consegue entender.

“Senhor”, ele diz, “por que não confiam
No Teu amor, na Tua graça e paz?
Por que lutam, sofrem, se afadigam, 
Se são ovelhas do Deus da Paz?”

O Deus da Paz não respondeu;
Mas pela Sua face santa
Uma lágrima escorreu…

(04/94)



Domingo, 17/05/2020

Moriá — Meditações 36

A palavra “Moriá” (que significa “escolhido por Jeová”) só ocorre duas vezes nas Escrituras: Gênesis 22 e I Crônicas 3. É o nome de um dos cinco montes sobre os quais Jerusalém está edificada — mais especificamente, o monte do Templo.

A primeira ocorrência do nome é em Gênesis 22 — o monte tão solene que Abraão e Isaque subiram juntos. Duas vezes o relato de Gênesis 22 destaca que caminhavam “ambos juntos” (v. 6, 8). Como é linda e comovente a figura de comunhão entre pai e filho — parece uma cena tão bucólica e agradável. Mas quem consegue medir a dor que dilacerava o coração de Abraão naquele dia, sabendo que subia Moriá para oferecer seu filho em holocausto? Ah, que cena solene!

E como é precioso ouvir naquele monte, pela primeira vez, a promessa de que Deus mesmo providenciaria o Cordeiro cujo sangue seria derramado para nossa expiação. Quando Abraão disse: “Deus proverá para Si um cordeiro”, provavelmente ele não sabia toda a glória do plano da redenção — mas para os salvos hoje, é impossível ler estas palavras e não lembrar de João Batista apontado para o Senhor, séculos depois, e dizendo: “Eis o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo” (Jo 1:29).

Subindo o monte Moriá,
Um pai e um filho em comunhão;
Mas quem na Terra medirá
A dor que oprime o coração?
Ali no monte Moriá,
Em graça, Deus interferiu;
E “Deus o sangue proverá”
Ali primeiro se ouviu!

A segunda ocorrência de “Moriá” é em II Crônicas 3:1. Ali o nome identifica o lugar onde o Templo seria construído, e destaca que foi ali que Davi viu o anjo do Senhor com a espada desembainhada contra Jerusalém, na eira de Ornã (veja I Cr cap. 21). Eis outra cena tão solene e profunda: não de consagração, como em Gênesis 22, mas de disciplina. Vemos Davi chorando amargamente ao ver as consequências do seu pecado, assustado pelo aspecto terrível do Anjo com a espada na mão! Foi só depois do holocausto aceito com fogo do Céu que Deus deu ordem ao anjo para guardar a espada.

Este episódio destaca a santidade de Deus. Ele vai permitir que o filho de Davi construa uma Casa para o Senhor — mas o local escolhido para aquela casa precisa ser santificado com este fogo que desceu do Céu.

Ali também Davi chorou
Ao ver o mal que cometeu;
Um alto preço, enfim, pagou,
Um holocausto ofereceu.
Ali no monte Moriá
Do Céu o fogo irrompeu;
E o rei jamais esquecerá
O medo que o acometeu!

Moriá assim está associado com (i) Abraão oferecendo seu próprio filho, e (ii) Deus julgando severamente o pecado de Davi. “Mas tudo isso sombras são” — sombras daquela hora tão escura, porém tão sublime, quando Deus julgou o pecado da humanidade ao oferecer Seu próprio Filho! O Sol se escondeu diante do horror daquele acontecimento, quando o Senhor O afligiu “no dia do furor da Sua ira” (Lm 1:12).

O monte que presenciou a submissão voluntária de Abraão e a submissão corajosa de Davi, ainda veria um Servo mais perfeito dizer o Seu “Amém!” à vontade de Deus, entregando-Se sem reservas pelos nossos pecados. O único que não merecia ser castigado foi o único que aceitou pagar este preço! Este mundo nunca conhecerá “nem dor maior, nem tanto amor” — nem agora, nem por tempos eternos!

Mas tudo isso sombras são;
As densas trevas ‘inda vêm.
Os Céus ainda ouvirão
Em Moriá um outro “Amém”!
Ali no monte Moriá
Eis sobre a cruz meu Salvador!
Jamais alguém contemplará
Nem dor maior, nem tanto amor!

Neste primeiro dia de mais uma semana, rendamos a Ele nosso louvor e adoração.


Segunda-feira, 18/05/2020

Salmo 23 (e) — Meditações 37

“Preparas uma mesa perante mim na presença dos meus inimigos; unges a minha cabeça com óleo; o meu cálice transborda”.

O v. 5 apresenta uma cena de vitória. Existem inimigos (e portanto, lutas); mas o salmista é visto em tranquilidade, não em guerra. Ele não está comendo “ração” às pressas, escondido do inimigo — ele está sentado à mesa para comer, sem medo ou perturbação. Ele não está sujo e cansado da batalha — a sua cabeça está ungida com óleo, limpa e perfumada. Ele não está bebendo água suja de um cantil — o seu cálice transborda!

E veja como ele reconhece a fonte de tudo isso: é o Pastor quem preparou a mesa e ungiu a sua cabeça; por isso o seu cálice transborda!

Irmãos, apesar dos inimigos que nos rodeiam (o mundo, o diabo e a carne), podemos desfrutar de toda esta provisão bondosamente preparada pelo Senhor para nós. Mas não é verdade que muitas vezes preocupamos tanto com os ataques dos inimigos que esquecemos da provisão divina?

Lembre: eu não sou o único a passar por isso. Pedro nos avisa que “as mesmas aflições se cumprem entre vossos irmãos no mundo” (I Pd 5:9).

Eu não sou o primeiro a passar por isso. Em 1918, 19 e 20, muitas igrejas no mundo antigo (onde os salvos já sofriam terrivelmente pelas atrocidades da I Guerra Mundial, que estava acabando) ficaram meses sem poder reunir por causa da pandemia da gripe espanhola. Mas Deus preservou nossos irmãos naquela tempestade. Realmente, “não há nada novo debaixo do Sol” (Ec 1:9).

Eu não sou o que sofre mais intensamente. Sofro por não poder reunir — mas ouço de muitos que sofrem muito mais! Posso manter contato com tantos irmãos por meios digitais (uma opção inexistente em 1918), não estou preso, não estou numa UTI, etc. Sempre há motivos para sermos agradecidos (I Ts 5:16-18).

A luta, sim, é intensa. Os inimigos são reais (e cruéis). Mas o cuidado do Bom Pastor é mais intenso e real do que qualquer outra coisa! Não é só um lanche que Ele prepara — há uma mesa posta! Não é só “um pouco de água” para lavar os pés (Gn 18:4) — Ele unge a minha cabeça com óleo! Não é só um pouco de refrigério — não, Ele enche o meu cálice até transbordar!

Quando o moço de Eliseu clamou, desesperado: “Ai, Senhor, que faremos?”, o profeta orou a Deus: “Senhor, peço-Te que lhe abras os olhos para que veja”. E o moço viu que realmente “mais são os que estão conosco do que os que estão com eles” (II Rs 6:15-17).

Que Deus abra os meus olhos hoje para que eu veja a abundante provisão que Ele me proporciona em Cristo, meu Pastor!.


Terça-feira, 19/05/2020

Salmo 23 (f) — Meditações 38

“Certamente que a bondade e a misericórdia me seguirão todos os dias da minha vida; e habitarei na casa do Senhor para sempre!”

Que final precioso para um Salmo precioso! O salmista começou o Salmo falando que nada lhe faltaria — agora ele termina com a convicção de que chegará seguro ao destino eterno!

Numa conferência aqui, anos atrás, o irmão Terry sugeriu que o primeiro versículo seria uma introdução do Salmo, e este último a conclusão. Devido ao cuidado incessante e abundante do Bom Pastor (que foi detalhado no decorrer do Salmo) a ovelha tem a certeza absoluta que tanto “bondade” quanto “misericórdia” estarão acompanhando-a na viagem — todos os dias! Não esporadicamente, nem mesmo frequentemente, mas diariamente!

Ah, como é importante tentar apreciar a ajuda destas duas companheiras de viagem! Na alegria e na tristeza, na saúde e na doença, no vigor da juventude e no ocaso da vida, às margens das águas tranquilas e no vale da sombra da morte — elas estão conosco sempre!

Nem sempre mantenho comunhão com elas; nem sempre agradeço pelo alívio que trouxeram no decorrer do dia; nem sempre lembro que elas estão me acompanhando. Mas quando chegar no Lar, certamente o Senhor me mostrará o quanto a Sua bondade e a Sua misericórdia me ajudaram no caminho. Certamente verei que nos dias de luta, quando cheguei a pensar que Ele se esquecera de mim, realmente Ele estava me provando com muita bondade e misericórdia! Como no famoso poema das pegadas na areia, provavelmente verei que nos dias mais amargos, quando achei que estava sozinho, foram estas companheiras que me carregaram no colo até que minhas forças voltassem!

Todos os dias da minha vida … que precioso! E melhor ainda é ver o final do Salmo: habitarei na Casa do Senhor para sempre! É isso que te aguarda, cristão! Teu destino não é a morte, muito menos a sepultura — teu destino é a habitação celestial. Nosso Pastor disse, antes de deixar este mundo: “Voltarei, e vos levarei para Mim mesmo, para que onde Eu estiver estejais vós também” (Jo 14:3); “e assim estaremos SEMPRE com o Senhor” (I Ts 4:17).

Que possamos meditar com fé e inteligência espiritual neste Salmo tão precioso.

O Senhor é o meu Pastor; nada me faltará; Certamente a bondade e a misericórdia Me seguirão todos os dias da minha vida; E habitarei na Casa do Senhor para sempre!


Quarta-feira, 20/05/2020

Samo 23 (g) — Meditações 39

Enquanto considerava este Salmo, referi-me diversas vezes ao Senhor como o Bom Pastor. Afinal, o Salmo O apresenta como Pastor, e “Bom” é o adjetivo que automaticamente identificamos com “Pastor”. Certamente esta identificação natural deve-se ao fato do Senhor Se referir a Si mesmo três vezes em João cap. 10 como o “Bom Pastor” (duas vezes no v. 11, e novamente no v. 14).

Realmente é precioso ler o Salmo e lembrar do nosso Bom Pastor. Para ser mais exato, porém, o título adequado para o Senhor no Salmo 23 é “Grande Pastor” — “Bom Pastor” combina mais com o Salmo 22.

Há séculos, cristãos destacam a harmonia existente entre os Salmos 22 a 24, considerando-os uma trilogia. Estes três Salmos correspondem às únicas três passagens no Novo Testamento onde a palavra “pastor” é aplicada ao Senhor Jesus e combinada com um adjetivo. Em João 10:11 o Senhor diz: “Eu sou o Bom Pastor; o Bom Pastor dá a Sua vida pelas ovelhas” — e a morte do Senhor Jesus é o assunto principal do Salmo 22. Em Hebreus 13:20 nosso Senhor é chamado de “Grande Pastor das ovelhas” no contexto da Sua ressurreição e da nossa dependência presente dEle — combinando perfeitamente com o assunto do Salmo 23. E em I Pedro 5:4 lemos: “Quando aparecer o Sumo Pastor, alcançareis a incorruptível coroa da glória” — agora é a glória futura do Senhor e das Suas ovelhas que é destacada, assim como vemos no Salmo 24.

Coincidência? Considere mais alguns detalhes. No Salmo 22 vemos o Senhor em relação ao passado, no Salmo 23 cuidando de nós hoje, e no Salmo 24 na Sua glória futura. A tripla descrição dEle em Apocalipse 1:5 (Fiel Testemunha, Primogênito dentre os mortos, Príncipe dos reis da Terra) também combina com essa sequência de Salmos.

Nestes Salmos temos a cruz do Sofredor, o cajado do Sustentador, e a coroa do Soberano. Ou ainda, Seus sofrimentos, Seu suprimento e Sua soberania. Outro sugeriu: Seu clamor, Seu conforto e Sua conquista.

Meu pai destacava as mãos traspassadas dEle no Salmo 22:16, Suas mãos ocultas no Salmo 23 (não são mencionadas, mas trabalham por nós), e Suas mãos puras em 24:4. Também o altar no Salmo 22 (ligando com o VT), a mesa mencionada no Salmo 23 (achando seu paralelo nos Evangelhos e Epístolas), e o trono no Salmo 24 (Apocalipse). Ele destacava o fato do primeiro destes Salmos apresentar a fonte de perdão para os pecadores, o Salmo 23 mostrar paz e proteção para as ovelhas, e o último falar de poder para os santos.

Destaco estes paralelos para nos incentivar a pesquisar mais sobre este nosso Pastor: um Bom Pastor que deu a Sua vida pelas ovelhas, um Grande Pastor que cuida de nós hoje, todos os dias, e um Sumo (Supremo) Pastor que em breve nos levará para a glória.

Nada melhor para encerrar estes pensamentos que as palavras com as quais iniciamos, dias atrás: “O Senhor é o meu Pastor; nada me faltará!”


Quinta-feira, 21/05/2020

Abaixando as asas — Meditações 40

“Parando eles, abaixavam as suas asas. E ouviu-se uma voz vinda do firmamento, que estava por cima das suas cabeças; parando eles, abaixavam as suas asas” (Ez 1:24-25).

Na visão impressionante com que Ezequiel abre o seu livro, vemos a glória do trono de Deus sendo conduzido pelos quatro seres viventes (ou querubins, 10:20). E é interessante ler que até os querubins, mais próximos do trono de Deus que qualquer outro ser criado, precisavam dobrar suas asas para ouvir a voz de Deus falando do Seu trono.

Guy King comenta sobre isto:

Se é verdade que alguns cristãos preguiçosos nunca usam suas asas, há também aqueles cristãos inquietos que nunca dobram as asas. Ambos estão perdendo muito! Tenha certeza que se estamos ocupados demais para estarmos a sós com Deus, estamos mais ocupados do que Ele queria que estivéssemos, e Ele precisará usar uma enfermidade ou algo parecido para que nos aquietemos. Tempo com as asas dobradas não precisa ser tempo perdido, pois é nessas horas que ouvimos a voz do firmamento com sua mensagem de encorajamento, de exortação, de direção, de correção; sempre de amor! É assim, e nessas ocasiões, que as asas machucadas são restauradas e ajustadas, asas preguiçosas são animadas e incentivadas, e assim asas são abertas e exercitadas no serviço divino.


Isto nos lembra de quando o Senhor enviou os discípulos para pregarem o Evangelho em Israel. Quando voltaram da sua missão, eufóricos e animados, o Senhor disse: “Vinde vós aqui à parte, a um lugar deserto, e repousai um pouco” (Mc 6:31). Dobrem as asas, e ouçam a Minha voz!

Que sejamos sensíveis à Sua direção nestes dias.


Ele me trouxe à parte …

Ele me trouxe à parte por um pouco,
Pois eu precisava descansar.

Tanta coisa a fazer,
Pouco tempo a perder,
    E eu ficando angustiado …
Pouco tempo em oração,
Pouco amor e devoção,
    Por estar tão ocupado.

Então Ele me trouxe à parte,
Pois eu precisava mesmo descansar.

Noites tristes de temor,
Doença, morte e dor
    São mensageiros Seus também.
Meu Pai, com terno amor,
Mandou-me esta dor
    Pensando sempre no meu bem.

Ele me trouxe à parte por um pouco.
Eu realmente precisava descansar!
(2001)



Sexta-feira, 22/05/2020

Salmo 13 — Meditações 41

[Recebi o texto abaixo de um irmão na Irlanda do Norte, e traduzi para o nosso conforto]

O Salmo 13 foi escrito por Davi numa época de aflições, e em poucas linhas ele expressa sua frustração pela demora do livramento divino. Este pequeno salmo revela como uma situação difícil pode se tornar estressante e desanimadora para um salvo.

O Salmo tem três partes, cada uma com dois versículos:

a) Reclamação (vs. 1-2); b) Clamor (vs. 3-4); c) Confiança (vs. 5-6).

Repare nos vs. 1 e 2 a repetição, por quatro vezes, da expressão “Até quando?”:
  • “Até quando Te esquecerás de mim, Senhor?” — desejando ser lembrado pelo Senhor;
  • “Até quando esconderás de mim o Teu rosto?” — desejando ter comunhão com o Senhor;
  • “Até quando consultarei com a minha alma, tendo tristeza no meu coração?” — desejando ter uma resposta do Senhor;
  • “Até quando se exaltará sobre mim o meu inimigo?” — desejando receber livramento do Senhor!
Na situação que estamos vivendo, é natural que façamos perguntas semelhantes ao Senhor. Até quando esse vírus continuará avançando pelo mundo? Até quando estaremos isolados de irmãos e amigos? Até quando a economia sofrerá? Até quando esperaremos para ver o Senhor agir? Como Davi no v. 1, podemos até pensar: “Para sempre?”

Vivemos num mundo caracterizado pela impaciência, que quer respostas imediatas. Queremos estar em controle, e nos desesperamos quando, como Davi, não vemos uma solução imediata. Não gostamos de esperar, e às vezes até chegamos ao extremo de exigir uma resposta imediata de Deus. Temos um cronograma, e achamos que Deus deve se encaixar nele.

Mas Deus tem o Seu próprio cronograma. Ele faz as coisas no tempo dEle — e o tempo dEle, ao contrário do nosso, é perfeito! “Porque necessitais de paciência” (Hb 10:36) — “os que esperam no Senhor renovarão as forças, subirão com asas como águias; correrão, e não se cansarão; caminharão, e não se fatigarão” (Is 40:31).

Deus não havia esquecido de Davi, embora parecesse assim. Davi queria uma resposta, e ao perguntar: “Até quando?” ele pelo menos está admitindo que Deus vai agir — ele só não sabe quando! A fé dele enfraqueceu, mas ele fez a coisa certa: ao invés de reclamar com outros, ele levou sua reclamação diretamente ao Senhor.

Clamor e confiança

Nos vs. 3 e 4 Davi clama ao Senhor, pedindo que Deus possa atendê-lo, ouvi-lo e iluminá-lo. E enquanto contava ao Senhor suas frustrações e tristeza, e clamava por livramento, seu estado emocional melhorou.

Assim ele termina o salmo (vs. 5 e 6) dizendo: “Mas [apesar das circunstâncias] eu confio na Tua benignidade”. Sua confiança era tão sincera que, mesmo não tendo recebido ainda resposta do Senhor, ele já antecipa a alegria e o louvor que o encherão quando o Senhor finalmente o responder: “na Tua salvação se alegrará o meu coração. Cantarei ao Senhor, porquanto me tem feito muito bem!”

Será que esta última frase (“me tem feito muito bem”), no passado, indica que Davi está lembrando de bênção passadas? Ou será que ele está tão certo d livramento futuro que escreve dele no passado?

Qualquer que seja a interpretação correta, nós também podemos refletir naquilo que o Senhor já fez por nós, e confiar que nesta presente aflição Ele mostrará novamente o Seu livramento. Podemos louvá-lO pelo que Ele ainda fará.

A fé vence o desespero.

(traduzido e adaptado de Fergus Law).




Sábado, 23/05/2020

Citações — Meditações 42

Transcrevo abaixo três breves citações antigas:


Vasos cheios e vasos vazios (veja Efésios 5:18-20).

Vasos cheios podem receber muitos golpes e pancadas sem fazer muito barulho, ao contrário dos vasos vazios, que ecoam ao menor golpe. Assim também o cristão que está cheio do Espírito pude suportar muitas ofensas sem murmurar. É quando estamos espiritualmente vazios que tornamo-nos sensíveis, chorando diante de afrontas pequenas, reclamando de Deus e de nossos irmãos, ao invés de dar sempre graças por tudo. (Extraído de “O Caminho”)


A fragrância de Cristo

Não nos tornamos mais doces quando tiramos de nossos corações a amargura, mas sim quando colocamos algo novo dentro de nós — Cristo. A fragrância de Cristo, invadindo nosso ser, purifica e transforma. Só isto pode acabar com o mal; só isto renova, regenera e reabilita o homem interior. A força de vontade não transforma o homem; o tempo não transforma o homem; Cristo transforma! Portanto, “tende em vós o mesmo sentimento que houve também em Cristo Jesus”. (H. Drummond, 1892)


Somente a graça…

“Pela graça de Deus, sou o que sou” (I Co 15:10). João Newton (autor de “Sublime Graça” e outros hinos) foi traficante de escravos, e ele próprio foi escravo na África antes da sua conversão. Comentando sobre este versículo ele disse: “Eu não sou o que deveria ser (quão imperfeito e deficiente ainda sou!); eu não sou o que gostaria de ser (eu abomino o mal, e tento me apegar ao que é bom); eu não sou o que espero ser (logo, logo, eu me despirei da mortalidade com todo seu pecado e imperfeição). Apesar, porém, de não ser o que deveria ser, nem o que gostaria de ser, nem o que espero ser, eu posso dizer em verdade que não sou mais o que um dia fui.”

E nós? Com toda nossa imperfeição e limitações, há sinais da graça de Deus nas nossas vidas? É verdade que não somos perfeitos, mas podemos testemunhar que a graça de Deus nos transformou, e continua nos transformando, dia a dia?


Domingo, 24/05/2020

As vestes do Senhor — Meditações 43

“Todas as Tuas vestes cheiram a mirra e aloés e cássia, desde os palácios de marfim de onde Te alegram” (Salmo 45:8).

Este Salmo é Messiânico (quer dizer, partes dele são citadas no NT como referindo-se ao Senhor Jesus). Nos vs. 3-5 o Senhor é visto como um guerreiro vitorioso; os v. 6-7 (citados em Hebreus 1:8-9) falam dEle como um Rei no Seu palácio de marfim, e conduzem a esta descrição sublime: “Todas as Tuas vestes cheiram a mirra e aloés e cássia”. Obviamente a descrição é figurativa: o Céu não é literalmente um palácio de marfim, e o Senhor não usa roupas que estão literalmente perfumadas com esses aromas — mas a Bíblia usa linguagem que nós entendemos para descrever a glória, majestade e beleza do Senhor.

Mas houve uma época em que Ele usou vestes bem diferentes.

Em Lucas 2:7 nós O vemos trajando vestes de pobreza. Maria “deu à luz a seu filho primogênito, e envolveu-O em panos e deitou-O numa manjedoura, porque não havia lugar para eles na estalagem”. O mesmo Senhor cujo manto glorioso enchia o Templo em Isaías 6; o mesmo Rei que sai do Seu palácio de marfim com vestes perfumadas no Salmo; aqui o vemos enrolado em panos e deitado numa manjedoura (onde a comida dos animais era colocada).

Ah, como corta o coração pensar que “não havia lugar” para esse Bebê! Nenhum palácio real, nenhum manto de seda para o Rei dos Reis. Ele deixou o Seu palácio de marfim no Céu, e foi colocado numa manjedoura suja e fria. Ele despiu Suas vestes que cheiravam a mirra e aloés e cássia, para ser enrolado em alguns panos!

Alguns anos mais tarde Ele está vestindo vestes de humildade: “Jesus, sabendo que o Pai tinha depositado em Suas mãos todas as coisas … tirou as vestes, e, tomando uma toalha, cingiu-Se … e começou a lavar os pés aos discípulos” (Jo 13:4-5). Os judeus usavam uma túnica rústica sobre a pele (basicamente um pedaço de pano quadrado com buracos cortados nele onde passavam seus braços e pescoço), e sobre esta peça colocavam as vestes exteriores. O Senhor tirou a veste exterior e tomou uma toalha. Para que? Para lavar os pés dos discípulos!

Tente imaginar o Senhor ajoelhado diante dos discípulos, lavando seus pés e enxugando-os com a toalha presa no Seu cinto! Ele lavou os pés de Pedro, que O negaria poucas horas depois. Ele lavou os pés de Judas, que já estava maquinando a traição! O que dizer diante deste exemplo? “Se Eu, Senhor e Mestre, vos lavei os pés, vós deveis também lavar os pés uns aos outros” (v. 14).

E poucas horas depois, Ele está associado com vestes de dor: “Tendo pois os soldados crucificado a Jesus, tomaram as Suas vestes, e fizeram quatro partes … e também a túnica” (Jo 19:23). Na Sua morte, roubaram Suas vestes. Que contraste com o Salmo! Vestes cheirando a mirra e aloés e cássia num palácio de marfim — agora vestes rasgadas em quatro, manchadas de sangue dos açoites e da coroa de espinhos, distribuídas entre os Seus inimigos! “Foi amor, divino amor, fiel, veraz, sem fim; aquele amor que ao Salvador levou à cruz por mim” (H. e C. 29).

A Bíblia também fala do poder das Suas vestes (Lc 8:44), das vestes de glória que Ele vestiu após a Sua ressurreição (Ap 1:13; 19:13), etc. Mas neste primeiro dia da semana, dia escolhido por Deus para anunciarmos a morte do Senhor até que Ele venha (I Co 11:26), consideremos o quanto custou a nossa redenção. Ele trocou as vestes perfumadas do Salmo por panos na manjedoura; por uma toalha no cenáculo; e finalmente sofreu a vergonha de ver Suas vestes sendo roubadas e distribuídas entre os soldados romanos. É uma figura — uma pequena figura — de quanto custou a nossa redenção.

Sarah P. Kalley escreveu (H. e C. 131):

Ninguém jamais irá supor quão triste o Seu penar;
Quão fundos vales percorreu, a ovelha a procurar.

“Por toda estrada onde vem, que sangue vejo ali?”
“Com dor a ovelha procurei; o sangue Meu verti!”
“Teus pés e mão sangrando estão;
Magoado foi Teu coração”


Segunda-feira, 25/05/20

Tudo! — Meditações 44

A. J. Higgins resumiu o Evangelho com dois versículos tirados de parábolas: “Havendo ele gastado tudo … começou a padecer necessidades” (Lc 15:14); “Encontrando uma pérola de grande valor, foi, vendeu tudo quanto tinha, e comprou-a” (Mt 13:46).

O primeiro versículo descreve o nosso comportamento natural — tudo que recebemos de Deus gastamos conosco mesmos. Somos com a esposa infiel de Oseias, da qual o Senhor disse: “Ela não reconhece que Eu lhe dei o grão, e o mosto, e o azeite, e lhe multipliquei a prata e o ouro, que eles usaram para Baal” (Os 2:8). Deus dá aos homens saúde, inteligência, Sol e chuva, “a vida, e a respiração, e todas as coisas” (At 17:25) — e a humanidade gasta isto para seu próprio divertimento, não apenas esquecendo de Deus, mas até negando a existência do Criador!

E o que Deus fez em troca? O segundo versículo responde: Ele vendeu tudo quanto tinha para resgatar pecadores egoístas e ingratos! O Senhor Jesus Cristo, sendo rico, por amor de nós Se fez pobre, para que pela Sua pobreza enriquecêssemos (II Co 8:9). Ele trocou os “palácios de marfim” (Sl 45:8) pela manjedoura. Aquele que “sustenta todas as coisas pela palavra do Seu poder” (Hb 1:3) veio na forma de um Bebê sustentado pelos braços de Maria. Aquele que “não é servido por mãos de homens, como que necessitando de alguma coisa” (At 17:25), sentou-se à beira de um poço e pediu água para uma mulher! Aquele que se veste de majestade (Sl 93:1) permitiu que o ímpio e imundo Herodes O desprezasse, e escarnecendo dEle, O vestisse de uma roupa resplandecente num ato de zombaria terrível (Lc 23:11). Aquele que nunca conheceu ou cometeu pecado, permitiu que Deus O fizesse pecado por nós (II Co 5:21).

Há muitas outras formas registradas na Bíblia de vermos que Ele realmente vendeu tudo quanto tinha para efetuar a nossa salvação. Como um holocausto, em que todas as partes do sacrifício eram queimadas no altar para Deus, assim “Ele pelo Espírito eterno Se ofereceu a Si mesmo imaculado a Deus” (Hb 9:14).

E o que faremos diante disto? Só podemos imitar o exemplo de Mefibosete. Falsamente acusado pelo seu servo Ziba (que queria lhe roubar as terras e bens), ele recebe uma proposta justa de Davi: “Tu e Ziba reparti as terras”. Nas circunstâncias, seria uma proposta proveitosa para ele. Mas Mefibosete recusou, dizendo: “Tome ele também tudo; pois já veio o rei meu senhor à sua casa” (II Sm 19:30). Vendo novamente a face de Davi, Mefibosete estava satisfeito — não queria mais nada!

Que digamos, com Paulo: “Tenho por perda todas as coisas, pela excelência do conhecimento de Cristo Jesus meu Senhor” (Fp 3:8). É o mínimo que podemos fazer diante do preço que Ele pagou pela nossa redenção!


Terça-feira, 26/05/20

Filho e irmão — Meditações 45

“Vindo, porém, este teu filho ... este teu irmão estava morto, e reviveu” (Lc 15:29-32). Lendo assim, fora de contexto, talvez não percebemos um detalhe importante sobre a citação acima: as expressões “este teu filho” e “este teu irmão” referem-se à mesma pessoa!

Muitos anos atrás o irmão Liseu pregou aqui sobre isto. Obviamente não lembro de tudo que foi dito (faz muito tempo), mas lembro como fiquei impressionado com o ciúme do irmão mais velho e com a gentil correção do pai. Sempre que leio este trecho desde então lembro de como é fácil imitar esse jovem.

Ele estava chateado — e entendemos seu sentimento. Nas palavras dele: “Eis que te sirvo há tantos anos, sem nunca transgredir o teu mandamento, e nunca me deste um cabrito para me alegrar com os meus amigos. Vindo, porém, este teu filho, que desperdiçou os teus bens com as meretrizes, mataste-lhe o bezerro cevado”. Olhando deste ponto de vista, fica difícil discordar do jovem.

Mas havia dois problemas com o “ponto de vista” dele, e seu pai o corrigiu. Primeiro, ele estava olhando para seu pai da forma errada. Ele havia dito: “Nunca me deste nada!” O pai disse: “Todas as minhas coisas são tuas”! Era uma atitude muito ingrata culpar o pai de nunca ter lhe dado nem um cabrito — ele participava de tudo que o pai tinha!

Em segundo lugar, ele estava olhando para seu irmão da forma errada, referindo-se a ele como “este teu filho” (como que distanciando-se do irmão). Mas o Pai gentilmente o corrige, mostrando-lhe o vínculo especial que existia entre eles. O jovem se referiu a ele como “este teu filho” — o pai disse: “este teu irmão”!

Muitas vezes achamos que recebemos de Deus menos bençãos do que merecíamos receber — no mínimo, pensamos, eu mereço mais do “aquele Teu filho” está recebendo. Que Deus nos ajude a percebermos quanto Deus já nos deu (“todas as bençãos espirituais nos lugares celestiais”, Ef 1:3), e percebermos que “aquele Teu filho” é também “este meu irmão”! “E todo aquele que ama ao que o gerou também ama ao que dEle é nascido” (I Jo 5:1). É normal amarmos todos nossos irmãos — e o versículo anterior em I João mostra que é também um mandamento: “Temos este mandamento: que quem ama a Deus ame também a seu irmão.”

Que sejamos gratos pelo que recebemos de Deus, e pelo que nossos irmãos recebem.



Quarta-feira, 27/05/2020

Naufrágio — Meditações 46

Se alguém lesse Atos cap. 27 pela primeira vez e não conhecesse os personagens mencionados, poderia muito bem achar que estava lendo um trecho de Moby Dick (de Melville), Vinte Mil Léguas (de Verne) ou algum outro livro de aventuras marítimas. Lucas vai descrevendo os lugares pelos quais navegaram — Sidom, Chipre, Cilícia, Panfília, Mirra na Lícia, Cnido, Creta, Salmone, Bons Portos, Laseia, Fenice, Clauda, e conta detalhes sobre o naufrágio do navio com 276 pessoas a bordo. É um relato muito interessante — mas parece que não encaixa no texto sagrado! Um leitor mais desatento do NT talvez diria: “Lucas, você ocupou 44 versículos pra falar de uma viagem de navio? Quatro versículos bastariam! Conte-me sobre o progresso do Evangelho, ou algo de valor espiritual — não me interessa saber cada lugarzinho pelo qual o navio onde Paulo estava passou!”

Mas aprendemos várias lições interessantes deste capítulo. Primeiro, que Deus acompanha cada passo dos Seus servos. Enquanto Paulo, Lucas e Aristarco empreendiam aquela longa e perigosa viagem de navio, poderiam às vezes sentir o peso da solidão: “Será que alguém sabe onde estamos?” Por causa desse relato detalhado que o Espírito Santo inspirou Lucas a escrever, temos uma certeza: Deus sabia!

A mãe que embala o filho doente, sem dormir direito por tantas noites, pode pensar que ninguém vê sua luta. O avô aposentado, andando lentamente pela casa enquanto ora pela sua família e pelo Evangelho, talvez sinta-se esquecido por todos. Quem abraçará a criança salva cujos pais não entendem a sua fé? Ah, irmãos; Deus acompanha cada filho Seu! “Tu sabes o meu assentar e o meu levantar; de longe entendes o meu pensamento. Cercas o meu andar e o meu deitar; conheces todos os meus caminhos … tal conhecimento é para mim maravilhosíssimo; tão alto que não o posso atingir” (Sl 139:1-6). Realmente, é maravilhoso!

Também ficamos impressionados com o ritmo lento da vida daqueles dias. Uma viagem que levaria uma ou duas horas de avião hoje, durou meses. Navegaram por alguns dias, depois procuravam um lugar onde passar o inverno (v. 12). Planejaram ficar três meses parados, esperando o clima melhorar (o que acabaram fazendo na ilha de Malta, 28:11). Sabiam que as coisas levavam tempo, então adequavam-se ao ritmo natural das coisas. Deus planejou esta viagem de Paulo (23:11; 27:24), e interferiu nos detalhes para que ela durasse tanto tempo. Por quê? Não sabemos, mas confiamos nos cálculos daquele para quem um dia são como mil anos (II Pe 3:8).

Hoje, porém, queremos tudo para agora! Não sabemos esperar. Esta pandemia trouxe dois efeitos colaterais terríveis: a crise econômica e os transtornos emocionais! A maioria das pessoas hoje simplesmente não sabe como agir quando não tem nada para fazer. Nos acostumamos tanto a estar correndo de um lado para o outro que agora ficamos confusos. Nossa quarentena não chegou aos três meses ainda, e muitos já sofrem com ansiedade, depressão, etc.

Precisamos mais e mais descansarmos em Deus, e lembrar das Palavras que Deus transmitiu a Paulo no meio da tempestade: “Paulo, não temas!” (v. 24).

Cada um dos filhos de Deus pode aplicar este versículo a si mesmo, substituindo “Paulo” pelo seu próprio nome. Nas noites mal dormidas, nos dias de angústia, naquelas longas horas quando o relógio parece que anda para trás, podemos ter certeza que o Senhor “cerca o nosso andar e o nosso deitar”, acompanhando e protegendo cada filho Seu!

Que digamos, com Paulo: “Eu creio em Deus” (v. 25).


Quinta-feira, 28/05/2020

Coincidências — Meditações 47

No relato da cura do filho do oficial em João 4:46-54, lemos que o oficial, assim que soube que seu filho estava curado, perguntou aos servos “a que hora se achara melhor”, e a resposta confirmou o que ele já sabia: “Era aquela hora a mesma em que Jesus lhe disse: O teu filho vive! E creu ele, e toda a sua casa”.

A fé não tem medo de examinar cuidadosamente o que Deus faz, sabendo que não será desapontada. Uma superstição humana poderia pensar: “Bom, eu não vou perguntar muitos detalhes, pra não estragar a beleza desta história que tenho pra contar.” Mas não é assim com a fé. Não temos medo de que alguém poderá descobrir que aquilo que nós chamamos de “poder de Deus” foi só uma coincidência — cremos na realidade da ação de Deus na nossa vida.

Quando Elias queria manifestar a glória de Deus no monte Carmelo, ele instruiu os falsos profetas a derramarem doze cântaros de água sobre o altar, encharcando o sacrifício. Por quê? Porque ele queria que o povo tivesse certeza absoluta que haviam presenciado o poder de Deus, e não algum truque barato de ilusionismo.

Quando o Senhor ouviu que Lázaro estava doente, Ele demorou, e só chegou quando Lázaro já estava morto a quatro dias! Por quê? Porque neste último sinal público antes da Sua morte o Senhor queria manifestar a Sua glória aos Seus discípulos, não apenas curando um enfermo, mas ressuscitando um morto!

Como é precioso quando, após uma provação intensa, recebemos livramento da parte de Deus — e o livramento é tão perfeitamente adequado às nossas necessidades, que não resta sombra de dúvida que foi o Senhor quem agiu. A mente incrédula dirá: “Coincidência!” Mas nós, que sabemos todos os detalhes, guardamos este segredo no nosso coração: “Não foi coincidência — foi o Senhor!”

Mas é importante entendermos que estas “coincidências” de Deus se manifestam não só no plano individual, mas também mundial. Quero compartilhar uma gloriosa ilustração disto, transmitindo algo que li tempos atrás sobre a língua grega — a língua usada para escrever o Novo Testamento. Diz a Bíblia que Cristo veio ao mundo “na plenitude dos tempos” — não entendo tudo que esta expressão quer dizer, mas creio que, além de outras coisas, ela indica que a ocasião da vinda do Senhor Jesus foi criteriosamente escolhida, e o cenário cuidadosamente preparado, para receber o Rei dos reis.

Dean Alford (1810-1871), uma autoridade reconhecida da língua grega, declara que o surgimento e evolução da língua grega nos dias que antecederam a vinda de Cristo é uma das maiores “coincidências” de toda a História. Ele descreve como foi sendo aperfeiçoada, no sul da Europa, a língua mais bela, fluente e poderosa que o mundo jamais conheceu. Entre os intelectuais brilhantes de Atenas ela foi sendo lapidada e polida. Nela, como em nenhum outro idioma conhecido dos homens, as menores variações do pensamento humano acharam expressão. Verdades que exigiam uma distinção quase microscópica eram corretamente, e de forma preciosa, transmitidas por ela (por exemplo, em João 20:5, 6 e 8 há três palavras gregas diferentes traduzidas “viu” em português: a primeira indica um ver com os olhos, a segunda um ver demorado e mais atento, e a terceira um ver com entendimento). Esta língua era um instrumento de precisão da melhor qualidade, afirma este estudioso. E, além destas qualidades, era uma língua atraente e melodiosa, agradando ao ouvido com sua música fluída tanto quanto satisfazia ao intelecto pela sua sutileza filológica. 

Mas não adiantaria existir uma língua tão rica se quase ninguém a conhecesse! Então Deus providenciou para que ela fosse espalhada por todo o mundo daquela época pelas conquistas de Alexandre o Grande, que além de guerreiro era também discípulo do filósofo Aristóteles e um escritor de sucesso. E assim, poucos anos antes do Senhor vir ao mundo, uma língua majestosa tornou-se a língua conhecida no mundo inteiro daquela época. A humanidade se viu provida de uma ferramenta perfeita para expressar seus sentimentos, exatamente na hora em que a mais impressionante revelação de toda a História estava para ser feita! O Filho de Deus iria viver entre nós, neste planeta que Ele criou, por pouco mais de trinta anos — e Deus deu ao homem uma língua capaz de expressar, com mais clareza do que as línguas já existentes (ou as futuras), as preciosidades que seriam reveladas por Ele. Alford diz que Homero, Hesíodo e Sófocles não cantaram por cantar; Heródoto, Tucídides e Xenofonte não escreveram por escrever; Demóstenes e seus rivais não produziram suas obras-primas da oratória simplesmente como exibições da capacidade humana; eles foram artesãos escolhidos por Deus, sem que soubessem, para moldar, aperfeiçoar e enaltecer o instrumento que Deus usaria para transmitir a Sua verdade.

Não tenho competência para julgar o que Alford afirma — mas não tenho a menor dúvida que Deus age constantemente entre nós, livrando Seus pequenos servos de pequenos problemas, e guiando os impérios e as nações conforme o Seu querer. “Como ribeiros de águas, assim é o coração do rei na mão do Senhor, que o inclina a todo o Seu querer!” (Pv 21:1). Descansemos nEle hoje!

O hino abaixo foi traduzido pelo irmão Terry Blackman, e combina bem com este assunto:

De modo inescrutável, Deus
Os Seus prodígios faz;
Ele anda no raivoso mar
Em majestade e paz.

Quão insondável o pensar
Do onisciente Deus,
Que gloriosos planos tem
Pro bem dos filhos Seus!

Amedrontado coração!
As nuvens de terror,
Bem cheias, em verdade, estão
Das bênçãos do Senhor.

Não penses o “porquê” saber,
Mas nEle confiar;
Atrás das provações verás
Divino amor sem par.

Depressa vem a fruição
Dos planos do Senhor;
O broto é amargo, sim,
Mas doce é a flor!

Sem fé, tu sempre errarás,
Não podes entender;
Só Deus o pode interpretar
E tudo esclarecer.


Sexta-feira, 29/05/2020

A sós com Deus — Meditações 48

O silêncio e o isolamento são tão necessários à alma quanto o sono é para o corpo. Se quisermos ser muito usados por Deus, precisamos estar muito a sós com Deus.

John Bunyan (1628-1688) passou cerca de doze anos preso pelo seu testemunho da verdade, e ali, na solitária, seu coração se ocupou com as coisas de Deus. Ele imaginou uma forma parabólica de descrever o conflito do cristão neste mundo, e escreveu “O Peregrino” — um livro que, desde sua publicação inicial em 1678 até hoje (quase 350 anos), nunca esteve esgotado! Milhares de edições foram lançadas em mais de 200 idiomas. Foi transformado em ópera, lido em rádios, e em 2008 foi adaptado para o cinema. É impossível saber quantas cópias ele vendeu (registros antigos são inexistentes), mas muitos estimam que o único livro mais lido que ele na História da humanidade seja a Bíblia. Será que “O Peregrino” existiria se não fosse o tempo que Bunyan passou a sós com Deus?

Lendo a palavra de Deus, descobrimos que grandes homens de fé gastaram muito tempo em comunhão secreta com Deus. Esperaram em Deus e renovaram as suas forças. Moisés precisou passar quarenta anos no deserto para que Deus pudesse treiná-lo e discipliná-lo para ser o libertador do Seu povo. Davi, o ungido, precisou fugir em perigo diário antes que pudesse ser rei. João Batista precisou passar anos na solidão do deserto antes de anunciar o Messias. Paulo precisou passar três anos na Arábia antes de ser enviado com apóstolo dos gentios. João foi banido para a solidão da ilha de Patmos antes de ver a glória do Cordeiro de Deus e a visão dos novos Céus e nova Terra. Até o Senhor Jesus Cristo muitas vezes procurava estar à sós com Seu Pai: “E, levantando-Se de manhã muito cedo, fazendo ainda escuro, saiu, e foi para um lugar deserto, e ali orava” (Mc 1:35).

Nossas circunstâncias talvez tornem isto difícil na prática — mas procure com zelo ter oportunidade de estar a sós com Deus. Vale a pena!


Sábado, 30/05/2020

Depois — Meditações 49

“Guiar-me-ás com o Teu conselho, e depois me receberás na glória” (Sl 73:24).

Neste pequeno versículo a vida do Salmista é comparada a uma viagem. Lemos sobre
  •  A companhia na viagem. Não caminhamos sós — o próprio Senhor nos guia com Seu conselho (que recebemos pelas Escrituras).
  • O destino da viagem: “na glória!” Repare que não é tanto um lugar, mas sim uma condição. Onde fica a glória? É onde o Senhor estiver!
  • A recepção no final: irmãos, seremos recebidos pelo Senhor mesmo! O grande Naamã ficou chateado quando Eliseu não foi pessoalmente recebê-lo, mas nem o menor cristãos ficará decepcionado com sua acolhida na glória!
  • A demora. Tudo que foi visto acima é precioso — mas é para “depois”! Viajar sob o conselho de Deus; viajar para a glória; viajar ao encontro do Senhor mesmo — que maravilha! Mas a viagem não acabou ainda, e é só “depois” que Ele me receberá na glória.
Alguém disse que devemos ser como um navio cargueiro, que segue em direção ao porto de dia e de noite, sol ou chuva, mar calmo ou mar agitado. Não podemos pensar que “se tal situação mudar” vamos servir a Deus — devemos estar constantemente caminhando com Ele e servindo-O, e só pararmos quando estivermos na glória. Num leito de enfermidade, nas limitações da idade avançada, num confinamento forçado — sempre procurando conhecer (e fazer) a vontade dEle.

E depois — bendito “depois” — Ele mesmo nos receberá na glória! Amém.

“Porque para mim tenho por certo que as aflições deste tempo presente não são para comparar com a glória que em nós há de ser revelada” (Rm 8:18).


Domingo, 31/05/2020

Suas mãos — Meditações 50

Lucas menciona três vezes as mãos do Senhor no último capítulo do seu Evangelho.

As primeiras duas referências falam de como o Senhor usou Suas mãos e Seus pés para mostrar aos Seus discípulos que Ele havia realmente ressuscitado dentre os mortos. As marcas dos cravos nas Suas mãos e nos Seus pés tiraram qualquer dúvida que ainda estava na mente dos discípulos assustados: “E o mesmo Jesus Se apresentou no meio deles … E eles, espantados e atemorizados, pensavam que viam algum espírito. E Ele lhes disse: Por que estais perturbados … vede as Minhas mãos e os Meus pés, que sou Eu mesmo … E dizendo isto, mostrou-lhes as mãos e os pés” (Lc 24:36-40).

Já pensou nisto? O Senhor escolheu, como prova da Sua identidade, os sinais dos cravos nas Suas mãos e nos Seus pés! Sinais do preço amargo da minha redenção, da dor que Ele sofrera três dias antes daquela ocasião. Sinais que O distinguiam de falsos cristos e falsos pastores. “O Bom Pastor dá a Sua vida pelas ovelhas” (Jo 10:11).

Será que foi por isso que os dois de Emaús O reconheceram “no partir do pão”? (24:30-35). Reconheço que pode ter sido por outras razões: talvez foi a maneira como Ele abençoou o pão; talvez a forma como o partiu; talvez o Senhor mesmo abriu os olhos deles naquela hora. Mas gosto de pensar que quando o Senhor tomou o pão e o partiu, eles perceberam pela primeira vez as terríveis cicatrizes nas mãos do seu Companheiro de viagem. Durante todo o trajeto é bem possível que nem perceberam este detalhe, mas de repente viram as Suas mãos, e “O conheceram”!

Quantas vezes somos como estes dois. Caminhamos ao lado do Senhor, e nosso coração arde em nós (v. 32) pela alegria de aprender dEle. Contamos as bênçãos recebidas das Suas generosas mãos, e descansamos nEle. Mas esquecemos dos sinais dos cravos nas Suas mãos e nos Seus pés!

Da Tua morte, meu Senhor,
Sempre me lembrarei;
Teu sacrifício remidor
Jamais esquecerei. (H. e C. 599)

Quarenta dias depois, os discípulos encontraram o Senhor no Monte das Oliveiras. “E, levantando as mãos, os abençoou. E aconteceu que, abençoando-os Ele, Se apartou deles e foi elevado ao Céu” (Lc 24:50-51). Eles olhavam enquanto Ele, com as mãos estendidas, os abençoava e subia para o Céu. Foi a última visão que tiveram dEle, até que “uma nuvem O recebeu, ocultando-O a seus olhos” (At 1:9).

Como será precioso vê-lO em breve. Os profetas dizem que o mundo verá aquele “a quem traspassaram” (Zc 12:10; Ap 1:7, etc.), deixando claro que os sofrimentos do Calvário estarão para sempre associados com o Senhor. Ele sofreu terrivelmente em nosso lugar — os sinais dos cravos nas Suas mãos são uma solene lembrança dessas coisas.

Que possamos sempre lembrar destas “Mãos carinhosas, tão maltratadas, por mim cravadas em uma cruz!”



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Dois detalhes sobre Isaías 53

Isaías 53 contém o quarto Cântico do Servo (que inclui os últimos três versículos do cap. 52). Qual seria o centro deste Cântico?