Saturday 5 March 2022

Meditações 650 a 659

Meditações na quarentena (2020/22) enviadas diariamente aos irmãos e irmãs da igreja local em Pirassununga para nosso ânimo mútuo (arquivadas neste blog).

Paciência — Meditações 650


Não é fácil esperar — mas é preciso aprender!


Quantos exemplos disto há na Bíblia! Abraão não esperou até receber o filho que Deus prometeu, e da sua precipitação nasceu Ismael, pai dos piores inimigos de Israel (Gênesis cap. 16; veja Meditações 480). Saul não esperou até receber a bênção de Samuel, e foi condenado por sua impaciência (I Sm 13:8-14). Etc., etc.


Sim, precisamos realmente confiar que, se esperarmos o tempo de Deus, nunca sairemos perdendo!


Precisamos realmente aceitar que, se eu correr na frente de Deus, vou perder o melhor das Suas bênçãos!


Precisamos realmente aprender a orar: “Não seja como eu quero, mas como Tu queres!”


Precisamos realmente crer que Deus sabe melhor do que eu o que é melhor para mim!


Pensemos a longo prazo, e sejamos submissos: o tempo de Deus é o melhor. E ponto final!


O hino abaixo foi traduzido pelo irmão Terry Blackman, e pode ser cantado com a melodia de 590 do H. e C.:


1. De modo inescrutável, Deus

Os Seus prodígios faz;

Ele anda no raivoso mar

Em majestade e paz.


2. Quão insondável o pensar

Do onisciente Deus,

Que gloriosos planos tem

Pro bem dos filhos Seus!


3. Amedrontado coração!

As nuvens de terror,

Bem cheias, em verdade, estão

Das bênçãos do Senhor.


4. Não penses o “porquê” saber,

Mas nEle confiar;

Atrás das provações verás

Divino amor sem par.


5. Depressa vem a fruição

Dos planos do Senhor;

O broto é amargo, sim,

Mas doce é a flor!


6. Sem fé, tu sempre errarás,

Não podes entender;

Só Deus o pode interpretar

E tudo esclarecer.



Moriá, monte do sacrifício (c) — Meditações 651


A experiência de Davi no monte Moriá é bem diferente da de Abraão. Não foi um teste de devoção e fidelidade, mas uma disciplina e correção. Assim, se Abraão e Isaque tem muitos paralelos com o Calvário, Davi no monte Moriá nos mostrará contrastes com o maior sacrifício já realizado naquele monte! O principal deles é


Culpa x inocência!


Por mais solene que tenha sido para Davi aprender que seus erros pessoais precisavam ser castigados, algo pior aconteceu em Moriá. É comovente ver a sua angústia quando ele entendeu que o seu erro trouxera sofrimento para tantas “ovelhas” inocentes: “Não sou eu o que disse que se contasse o povo? E eu mesmo sou o que pequei, e fiz muito mal; mas estas ovelhas que fizeram? Ah! Senhor, meu Deus, seja a Tua mão contra mim, e contra a casa de meu pai, e não para castigo do Teu povo!” (I Cr 21:17).


As palavras de Davi não indicam, é claro, que Deus foi injusto. Se pudéssemos investigar o caso mais a fundo, creio plenamente que Deus poderia nos mostrar as circunstâncias  individuais de cada um daqueles setenta mil que morreram, e de seus familiares, e entenderíamos por que Ele agiu em cada caso. Alguns estavam sendo disciplinados, outros provados — nada foi sem motivo. Mas Deus tocou no coração de Davi para mostrar-lhe as consequências do erro dele como rei. Em primeira instância, pessoas inocentes estavam sofrendo por causa da decisão errada de Davi.


Muitos de nós já experimentamos isto. Abrimos os olhos (tarde demais!) e percebemos que fomos a causa de sofrimento para muitas pessoas. Mas que contraste com o Calvário! No mesmo lugar onde o erro de Davi provocou consequências terríveis para muitos, vemos que a obediência de Cristo trouxe bênçãos para muitos. Se no monte Moriá nos dias de Davi podemos dizer que muitos “inocentes” sofreram por causa do rei, no mesmo monte Moriá, séculos depois, um Rei inocente sofreu por causa de muitos!


Lembramos do contraste entre Adão e Cristo apresentado em Romanos: “Pois assim como por uma só ofensa veio o juízo sobre todos os homens para condenação, assim também por um só ato de justiça veio a graça sobre todos os homens para justificação de vida. Porque, como pela desobediência de um só homem, muitos foram feitos  pecadores, assim pela obediência de um muitos serão feitos justos” (Rm 5:18-19).


Davi foi um grande rei — o melhor que Israel teve — mas ele trouxe culpa sobre muitos! O Filho de Davi, que é também o Senhor de Davi, é absolutamente puro e inocente, e Seu sacrifício tira a culpa de todos que nEle creem!


Que grande sacrifício, e que sublime Salvador!


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O hino abaixo pode ser cantado com a melodia de 532 (“Honras sejam ao Cordeiro”).


Que sublime Salvador!


Poderoso Criador,

Paciente e bom Pastor,

Portentoso Redentor;

Que sublime Salvador!


Desprezado lá na cruz,

Eis pregado o Rei, Jesus!

Que mistério do amor!

Que sublime Salvador!


Pendurado em meu lugar,

Morto para me salvar,

Padecendo por amor!

Que sublime Salvador!


Pés e mãos sangrando estão,

Quanta dor e humilhação!

Quão terrível Sua dor!

Que sublime Salvador!


Dentre as trevas de horror

Ouço a voz do meu Senhor.

Quão profundo o Seu clamor!

Que sublime Salvador!


Mas um brado vencedor

Rompe a nuvem de terror:

“Consumado”! Ó Senhor,

Que sublime Salvador!


Elevado junto a Deus,

Coroado lá nos céus,

Cantam sempre os filhos Teus:

“Que sublime Salvador”! 



Diariamente — Meditações 652


Há coisas que se repetem todos os dias. Não apenas fenômenos naturais (o amanhecer, a chegada da noite, etc.), mas muitas atividades em nossas vidas. Precisamos nos alimentar todo dia, dormir, etc.


Espiritualmente, também — há coisas com as quais temos que nos preocupar todos os dias. A palavra “diariamente” (às vezes traduzida “cada dia”) aparece várias vezes nas Escrituras, chamando nossa atenção para algumas coisas que deveriam ser nossa preocupação diária. 


Abnegação extrema


“Se alguém quer vir após Mim, negue-se a si mesmo, e tome cada dia a sua cruz, e siga-Me” (Lc 9:23).


O que quer dizer “tomar a sua cruz”? A palavra “cruz” é especial na Bíblia, ocorrendo 28 vezes. Destas ocorrências, há dois grupos que seria proveitoso contrastar em outra ocasião: 11 vezes a palavra ocorre nos Evangelhos, descrevendo a cruz de Cristo como um fato histórico, e 11 vezes ela ocorre no restante do NT, descrevendo a vitória espiritual decorrente daquele fato. Nas 6 vezes restantes, é sempre o Senhor que usa a palavra, sempre no sentido que temos aqui em Lucas 9:23 — a nossa cruz. É fácil entendermos o significado da cruz de Cristo, mas o que é a nossa cruz?


Veja três coisas:


i) Uma escolha deliberada: o Senhor fala de “tomar” a cruz, não simplesmente aceitá-la, curvando-nos diante do inevitável. Aqui temos a indicação de uma atitude ativa e positiva, de alguém que escolhe deliberadamente, após analisar as opções. Por isso a “cruz” aqui não pode representar as provações e tribulações normais desta vida, pois não temos controle sobre estas coisas. Podemos até chamar estas coisas, figurativamente, de “cruz”, mas elas não são o assunto deste trecho. Todo cristão, qualquer que seja seu comportamento, está sujeito a enfermidades e outras dificuldades. Estas coisas vem sobre nós quando Deus permite, não são coisas que escolhemos ter ou não ter. A cruz é diferente — é algo que podemos tomar, ou podemos largar.


ii) Um exercício diário: é necessário tomar “cada dia” a sua cruz. A cruz é algo que posso tomar hoje, e não amanhã (ou vice-versa). Se a tomei hoje, isto não garante nada para amanhã — é um exercício diário. Com isso o Senhor torna o assunto mais fácil de ser tratado. Se pensássemos em assumir um compromisso de carregar a cruz durante todos os anos da nossa vida, a idéia poderia parecer grande demais para nossas fracas condições. Mas não preciso fazer isto: preciso apenas pensar em tomar a cruz hoje. Amanhã me preocuparei com a cruz de amanhã — hoje, só preciso pensar no hoje.


iii) Uma experiência dolorosa: a figura que o Senhor usa traz à nossa mente sofrimento, dor, vitupério, maldição, vergonha. Não é uma simples mochila que devemos carregar — é uma cruz. E é impossível desassociar esta palavra dos sentimentos dolorosos mencionados acima. Carregar a cruz não será fácil, senão ela não seria chamada cruz. Vai fazer calos nos ombros, vai provocar o riso e a zombaria de muitos, vai nos causar dor.


Pensando em cada um destes três detalhes, e aplicando-os à nossa vida, podemos começar a chegar a uma conclusão sobre o que é a minha cruz. Possivelmente será bem diferente da sua. Poder ser, hoje, diferente do que foi ontem. Mas sempre será aquilo que representa a renúncia do que o nosso ser ama, a renúncia daquilo que desagrada a Deus. Nunca é fácil dizer “não” para nós mesmos, nunca é fácil suportar as consequências de obedecer a Cristo. 


Isto é a minha cruz.


E o mais difícil nisto tudo é que o Senhor diz: “…tome cada dia a sua cruz…”. Como JND escreveu: “Esta é a verdadeira prova. Alguém poderia fazê-lo, heroicamente, de uma vez por todas (um mártir, por exemplo) e muitas pessoas o honrariam, e muitos livros seriam escritos sobre ele; mas é terrivelmente difícil continuar negando-se a si mesmo todos os dias, e ninguém mais sabendo disto.”


É exatamente isto, porém, que o Senhor pede de nós: que todos os dias neguemo-nos a nós mesmos, seguindo nos passos do Mestre.


Parece impossível! Mas vamos seguir ao Senhor, um dia de cada vez!



Diariamente (b) — Meditações 653


Alimentação espiritual

“Então disse o Senhor a Moisés: Eis que vos farei chover pão dos Céus, e o povo sairá, e colherá diariamente a porção para cada dia, para que Eu o prove se anda em Minha lei ou não” (Êx 16:1).


Não há qualquer dúvida que o maná representa Cristo como nosso alimento espiritual: “O pão de Deus é aquele que desce do Céu e dá vida ao mundo … Eu sou o pão da vida … Eu sou o pão vivo que desceu do Céu” (Jo 6:33, 35, 51). O maná alimentava o povo durante sua peregrinação; Cristo é aquele que alimenta Seu povo hoje em dia. 


E assim como Israel precisava do maná todo dia, nós precisamos nos alimentar de Cristo todo dia, devido às atrações constantes e diárias que existem ao nosso redor, e que querem nos afastar do Senhor, e devido à fraqueza natural da nossa carne.


A ênfase aqui, é bom destacar, não é na leitura da Bíblia e na oração em si. Sem dúvida, é pela leitura e meditação na Palavra de Deus, em espírito de oração, que aprendemos de Cristo; mas lembre que é possível ler horas e horas seguidas, e orar por horas e horas, e não alimentar-se do Senhor Jesus Cristo. A ênfase nesta figura do maná está na Pessoa de Jesus Cristo, aquele que não tendo visto, amamos (I Pd 1:8).


E a lição é: precisamos ter contato com Ele diariamente!


Por que não no Sábado?


Há um detalhe interessante nas instruções sobre a colheita diária do maná: na sexta-feira havia maná em dobro, e nada no Sábado (Êx 16:23-26). O povo se alimentava no Sábado, sim, mas apenas com o maná colhido na sexta-feira. Deus estabeleceu isto para o nosso ensino, e creio que há duas aplicações que podemos fazer deste ensino:


i) A aplicação profética: o descanso do Sábado é uma figura bela do nosso descanso eterno. Pode ser que o Espírito está sugerindo, no detalhe do maná, que nossa apreciação de Cristo na eternidade irá depender do que tivermos colhido aqui na Terra. Iremos apreciá-Lo, mas proporcionalmente à medida em que O conhecemos durante esta vida (veja Ap 5:10).


ii) A aplicação prática: o Senhor enfatiza, em Êxodo 16, que ninguém podia colher maná no Sábado “porque o sábado é do Senhor” (v. 25) — o Senhor exigia aquele dia para Ele. Nós também podemos enfrentar dias em que não teremos tempo ou forças para colher — não por desobediência ou preguiça, mas por honrar ao Senhor. Nestas situações excepcionais podemos descansar, sabendo que o que colhemos ontem poderá nos sustentar hoje.


Sejamos diligentes, portanto, em procurar alimentar nossa alma e nosso espírito diariamente com as virtudes e glórias do nosso amado Senhor.



Diariamente (c) — Meditações 654


“Ora, estes foram mais nobres do que os que estavam em Tessalônica, porque de bom grado receberam a palavra, examinando cada dia nas Escrituras se estas coisas eram assim” (At 17:11)


Os bereanos são elogiados pelo Espírito Santo por examinar “cada dia nas Escrituras” o que ouviam, comparando a pregação de Paulo e Silas com a Palavra de Deus.


Pode parecer uma atitude simples, mas Deus a exalta, chamando os bereanos de “nobres”. E mais — a Escritura afirma que eles foram mais nobres do que os que estavam em Tessalônica! Este fato torna-se mais impressionante quando olhamos para as epístolas aos Tessalonicenses, e percebemos o alto nível atingido por aquela igreja, e quantos elogios ela recebeu (I Ts 1:8, 4:9, 5:1).


Há duas lições aqui que podemos destacar:


i) Um bom começo não garante um bom progresso. Como foi o progresso do Evangelho em Beréia? Nunca mais lemos desta cidade no NT, a não ser por uma menção passageira em Atos 20:4. Será que ela progrediu? Por que Deus não nos conta mais nada sobre ela? Não sabemos. Deus registra o seu ótimo começo, e depois Se cala sobre esta igreja. Começaram bem — será que progrediram bem? Talvez Deus esteja nos alertando para um fato muito destacado na Bíblia — nem todos que começam bem, terminam bem! Lembre do exemplo dos Gálatas (Gl 5:7), de Demas, de Saul, etc.


ii) Um começo imperfeito não impede um bom progresso. A obra de Deus não começou, em Tessalônica, tão bem quanto em Beréia, mas no restante do NT, Tessalônica recebe muito mais ênfase do Beréia (que praticamente desaparece das páginas inspiradas depois deste trecho). Lembre do exemplo muito claro de João Marcos (At 14:37-39 e II Tm 4:11), e até do apóstolo Pedro, que negou o Senhor nos primeiros dias da sua fé, mas depois tornou-se um dos mais úteis servos que o Senhor já teve.


Outro detalhe: os bereanos “receberam a Palavra de bom grado”. Não consideravam uma obrigação enfadonha pesquisar nas Escrituras. Tiveram prazer em receber a palavra.

O Salmista disse, diversas vezes, que a Palavra de Deus era mais doce que o mel, e mais desejável do que o ouro. 


Que possamos imitar os bereanos. Há tanta confusão hoje em dia no meio do cristianismo, em grande parte porque somos descuidados nesta parte. A confusão não é porque a Bíblia é ambígua, mas sim porque muitas vezes aceitamos tudo que ouvimos, sem comparar com as Escrituras.



Diariamente (d) — Meditações 655


Pregando diariamente


É sempre animador ler o começo de Atos e perceber a dedicação empolgante dos salvos nos primeiros dias da Igreja. Entre outras coisas, lemos: “E todos os dias, no Templo e nas casas, não cessavam de ensinar, e de anunciar a Jesus Cristo” (At 5:42).


Talvez seria impossível repetirmos, literalmente, todos os detalhes da vida comum daqueles primeiros salvos — mas como seria bom se fôssemos contagiados pelo entusiasmo evangelístico deles.


É algo necessário, pois todos os dias haverá pessoas precisando ouvir o Evangelho (“… um homem que desde o ventre de sua mãe era coxo, o qual todos os dias punham à porta do Templo”; At 3:2).


É algo viável, pois sempre haverá oportunidade. O texto que estamos considerando fala do “Templo e nas casas”. Quer em ajuntamentos públicos, quer em conversas particulares, todo dia é o dia ideal para se anunciar o Evangelho:  “Eis aqui agora o tempo aceitável, eis aqui agora o dia da salvação” (II Co 6:2). “Hoje, se ouvirdes a Sua voz, não endureçais os  vossos corações” (Hb 4:7).


É algo louvável, pois não há assunto melhor do que este: “anunciar a Jesus Cristo”!


Portanto, ocupemo-nos hoje em anunciar a Jesus Cristo como Senhor e Salvador — quer em pregações, quer em conversas particulares, quer pelo nosso testemunho. Hoje é o dia da salvação!



José — Meditações 656


Quando pensamos num personagem bíblico chamado “José”,  geralmente o primeiro que vem à nossa mente é o filho de Jacó, príncipe no Egito. Mas seu homônimo, descendente de Davi e marido de Maria, tem muito a nos ensinar.


A primeira referência cronológica a ele na Bíblia está em Mateus cap. 1: “Ora, o nascimento de Jesus Cristo foi assim: estando Maria, sua mãe, desposada com José, antes de se ajuntarem, achou-se ter concebido do  Espírito Santo. Então José seu marido, como era justo, e a não queria infamar, intentou deixá-la secretamente” (Mt 1:18-19).


José é um de apenas nove pessoas que Deus chama “justo” — quer diretamente, quer na narrativa das Escrituras, como aqui (os outros são Abel, Noé, Ló, Zacarias e Isabel, José de Arimateia e João Batista — e, obviamente, nosso Senhor Jesus Cristo).


E como é precioso (e comovente) ver que sua justiça não sufocava sua misericórdia. Pense na situação que José enfrentava. Sua amada noiva, Maria, estava grávida “antes de se ajuntarem”. José, sendo justo, sabia que ele não era o pai — a única outra alternativa (humanamente falando) era que Maria havia sido infiel!


A lei exigia que tais mulheres fossem apedrejadas (Dt 22:21, etc.). Devido à subordinação de Israel aos romanos, talvez não fosse viável cumprir isto literalmente — mas, pelo menos, Maria deveria ser exposta publicamente (é este o sentido da palavra traduzida “infamar”).


José, então, travou uma luta interna. Pelos fatos que ele sabia, Maria havia sido infiel, e ele tinha todo direito de expô-la publicamente ao desprezo e vergonha. Mas ele amava Maria, e “a não queira infamar”. O que fazer?


A única alternativa viável seria “deixá-la secretamente”. Deixá-la, pois ela havia traído o pacto sagrado do matrimônio antes mesmo de se ajuntarem — ele não seria justo se mesmo assim casasse com ela. “Secretamente”, por que ele ainda amava Maria, e preferia que alguém achasse que a culpa era dele, ou que ele fugia!


Spurgeon escreveu sobre isto: “Quando precisamos fazer algo severo, escolhamos a forma mais terna de fazê-lo”. Diferentemente de muitos, que demonstram um prazer sádico em exercer justiça sem misericórdia, José procurou a solução mais branda possível para o erro de Maria. E, como sabemos, ele nem precisou fazer nada, pois Deus lhe revelou que Maria não estava errada!


Mateus foi inspirado a registrar este pequeno detalhe que revela muito sobre o caráter de José. Entre milhares de descendentes de Davi vivos naquela época, Deus escolheu este para ser o “guardião” (no sentido humano da palavra) do Seu Filho unigênito. Um homem que manifestava o coração do “Altíssimo … [que] é benigno até para com os ingratos e maus” (Lc 6:35).


Sejamos justos como José. Não justos como os fariseus, que “atam fardos pesados e difíceis de suportar, e os põem aos ombros dos homens” (Mt 23:4), mas justos que sofrem e choram quando precisam exercer disciplina.



José (b) — Meditações 657


“E, projetando ele isto, eis que em sonho lhe apareceu um anjo do Senhor, dizendo: José, filho de Davi, não temas receber a Maria, tua mulher, porque o que nela está gerado é do Espírito Santo; e dará à luz um filho, e chamarás o seu nome Jesus; porque Ele salvará o Seu povo dos pecados deles … E José, despertando do sono, fez como o anjo do Senhor lhe ordenara, e recebeu a sua mulher; e não a conheceu até que deu à luz seu filho, o primogênito; e pôs-lhe por nome Jesus” (Mt 1:20-25).


Pensamos ontem sobre a justiça benevolente de José. Os versículos citados acima mostram como Deus interferiu na sua dúvida, e não permitiu que ele deixasse Maria. Como deve ter sido precioso para ele ouvir o anjo dizer: “Não temas receber Maria, tua mulher”. 


E lemos que, assim que despertou do sono, ele obedeceu à voz de Deus pelo anjo: “fez como o anjo do Senhor lhe ordenara, e recebeu a sua mulher”. 


Tudo resolvido — mas já pensou no que isto custou para José? Quantos comentários maldosos seriam feitos por trás das suas costas, quanta zombaria explícita por ele ter aceitado uma mulher que, aos olhos de todos, havia sido infiel! Mas José, como já vimos, era justo, e seu desejo não era ser popular, mas obediente a Deus! Sigamos seu exemplo.


O texto citado hoje termina com um detalhe interessante: José “não conheceu [Maria] até que ela deu à luz seu filho, o primogênito”. Eles casaram imediatamente, mas só viveram a vida conjugal prática depois do nascimento do Senhor.


Não houve nenhuma instrução registrada do anjo sobre este detalhe — por que José agiu assim? Seria uma precaução extra deste homem justo? Será que ele conhecia a profecia de Isaías 7:14, sobre uma virgem dando à luz um filho? Será que ele reconheceu que estava vivendo uma situação única, e ao invés de perguntar a Deus o que ele poderia ou não fazer, ele entendeu que abrir mão de sua “lua de mel” seria um preço pequeno a pagar, dada a santidade das circunstâncias que ele e Maria viviam?


Não sei — mas é outro exemplo digno de ser imitado. Quando estivermos em dúvida, sejamos cautelosos. Não deve haver em nós aquela autoconfiança carnal que deseja investigar tudo e “levantar a tampa da arca” (I Sm 6:19), mas sim a reserva que nos leva a “tirar as sandálias dos nossos pés” (Êx 3:5) na presença de Deus, e entender: “As coisas encobertas pertencem ao Senhor nosso Deus” (Dt 29:29).


Este homem justo, que não teve nenhuma palavra sua registrada nas Escrituras, submeteu-se voluntariamente ao plano soberano de Deus, e deixou um lindo exemplo de obediência. Podemos imaginá-lo pensando: “Irão me chamar de frouxo; minha reputação estará comprometida, talvez irremediavelmente; mas se Deus me escolheu para providenciar um lar onde crescerá o Seu Filho unigênito, sou bem-aventurado!”


Como José no Egito e José de Arimateia, José de Nazaré também nos impressiona pelo seu desejo de servir a Deus, não de fazer um nome para si. Que seja assim conosco também.



Moriá, monte do sacrifício (d) — Meditações 658


Finalizando estes pensamentos dominicais sobre o monte Moriá, pense no quadro geral que os três holocaustos oferecidos ali apresentam.


O holocausto de Gênesis 22 foi para o prazer de Deus — o de I Crônicas 21 foi por causa do pecado. O terceiro foi as duas coisas!


No primeiro Deus testava a fé de Abraão, no segundo tratava do pecado de Davi. Mas em ambos os casos, o símbolo do juízo foi desviado do alvo inicial, e caiu sobre outro.


Que detalhe comovente! A primeira vez que lemos de uma espada erguida, simbolicamente, em Moriá, houve livramento: Abraão ergueu o cutelo para imolar seu filho, mas Deus interferiu, providenciando um carneiro que foi oferecido “em lugar de Isaque”. Na segunda vez, a espada estava na mão do anjo de Deus, desembainhada e pronta — mas quando Deus recebeu o holocausto do animal que morreu sobre o altar, “o Senhor deu ordem ao anjo, e ele tornou a sua espada à bainha” (I Cr 21:27).


Mas na terceira e última vez que o monte Moriá viu a espada de Deus, “do Céu não houve intervenção, nenhuma compaixão! A Tua espada não poupou o Filho que Te amou!” Ali cumpriu-se a profecia de Zacarias: “Ó espada, desperta-te contra o Meu Pastor, e contra o Homem que é o Meu Companheiro, diz o Senhor dos Exércitos. Fere o Pastor” (Zc 13:7).


Como não se comover, espantado, com esta profecia? Os termos de carinho são lindos: “Meu Pastor … Meu Companheiro”. Percebemos a intimidade que existe entre Deus e o Seu Companheiro! Mas as palavras de juízo são terríveis: “Ó espada, desperta-te! … Fere!”


Viajamos em nossa mente 400 anos após Zacarias, e ao pé da cruz vemos o cumprimento desta profecia, quando o Filho amado de Deus exclamou, das densas trevas: “Deus Meu, Deus Meu, por que Me desamparaste?” Por quê?


O monte Moriá, que viu por duas vezes homens sendo poupados da espada divina, viu aquela mesma espada caindo, sem misericórdia, sobre o Homem que é o Companheiro de Deus!


Louvemos ao Senhor hoje ao pensar no preço amargo da nossa redenção, e ao lembrarmos: “Aquele que nem mesmo a Seu próprio Filho poupou, antes O entregou por todos nós, como nos não dará também com Ele todas as coisas?” (Rm 8:32).



José (c) — Meditações 659


“E tendo eles se retirado, eis que o anjo do Senhor apareceu a José em sonhos, dizendo: Levanta-te, e toma o Menino e Sua mãe, e foge para o  Egito, e demora-te lá até que eu te diga; porque Herodes há de procurar o Menino para o matar. E, levantando-se ele, tomou o Menino e Sua mãe, de noite, e foi para o  Egito … Morto, porém, Herodes, eis que o anjo do Senhor apareceu num sonho a José no Egito, dizendo: Levanta-te, e toma o Menino e Sua mãe, e vai para a terra de  Israel; porque já estão mortos os que procuravam a morte do Menino. Então ele se levantou, e tomou o Menino e Sua mãe, e foi para a terra de  Israel. E, ouvindo que Arquelau reinava na Judeia em lugar de Herodes, seu pai, receou ir para lá; mas avisado em sonhos, por divina revelação, foi para as partes da Galileia. E chegou, e habitou numa cidade chamada Nazaré, para que se cumprisse o que fora dito pelos profetas: Ele será chamado Nazareno” (Mt 2:14-23).


Esta citação extensa revela a experiência tão preciosa que José teve de ser guiado por Deus. Duas vezes lemos que o anjo do Senhor lhe apareceu; também é dito que ele foi “avisado … por divina revelação”; e a consequência inevitável foi que quando ele escolheu a cidade onde iria morar, a escolha dele foi “para que se cumprisse o que fora dito pelos profetas”! Este homem escolhido a dedo por Deus para esta tarefa tão importante, foi um homem guiado por Deus na execução da tarefa! Quando Deus chama, Ele guia!


É instrutivo ver como José obedeceu prontamente as orientações divinas, apesar das dificuldades. Ele era pobre (compare Lc 2:24 com Lv 12:8), mas sujeitou-se a mudar de Nazaré para o Egito, e depois voltar do Egito para Nazaré conforme o Senhor o guiava (pensando nisto, os presentes dos magos vieram na hora certa para custear a viagem e a estadia no Egito!). A lógica talvez sugerisse que eles deveriam morar na Judeia (afinal, o Menino era o Messias), mas Deus os guiou de volta à humilde Nazaré! Sem questionar ou hesitar, José seguiu a direção divina. Que possamos desejar esta direção acima de tudo!


Também é interessante ver aqui a prioridade do Filho. Quatro vezes lemos a expressão “o Menino e Sua mãe”. A palavra traduzida “menino” aqui é a forma diminutiva: “menininho”. Ele certamente parecia tão indefeso e frágil; mas José deve ter percebido, por tudo que acontecia,  que este “menininho” era muito mais forte do que o próprio José. E sempre que o anjo lhe falava, a ordem dos termos era a mesma — sempre “o menininho” primeiro, depois “e Sua mãe”. O Menino que Maria gerou era o Senhor, Salvador e Criador de Maria e José! 


Não é fácil para nós (como não deve ter sido para Jose) abraçar os dois extremos: divindade plena num bebezinho! É profundo demais para nós. Mas podemos, hoje, louvar a Deus pelo “grande … mistério da piedade: Deus Se manifestou em carne” (I Tm 3:16).



© 2021 W. J. Watterson

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Dois detalhes sobre Isaías 53

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