Sunday, 27 September 2020

Sofrimentos vicários — Meditações 168

Desde o dia 21 de Março de 2020 a igreja local em Pirassununga esteve impossibilitada de reunir normalmente, devido à quarentena decretada no estado de São Paulo. Hoje já podemos reunir (com restrições) — estamos gratos por isso, mas não é o ideal. Durante este período tenho enviado aos irmãos e irmãs da igreja local pequenas mensagens de texto para nosso ânimo mútuo. Estas mensagens estão sendo arquivadas aqui — talvez ajudem mais alguém.

Domingo, 27/09/2020

Sofrimentos vicários — Meditações 168

A terceira estrofe do quarto Cântico do Servo apresenta os sofrimentos vicários do Senhor Jesus (isto é, sofrimentos que Ele sofreu como nosso substituto). Ela tem três divisões menores:
  • sofrimentos voluntários (v. 4);
  • sofrimentos vicários (v. 5);
  • sofrimentos violentos (v. 6).
Começamos no v. 4 como Levítico começa, com o holocausto voluntário. Ele tomou sobre Si, voluntariamente, os nossos sofrimentos e dores.

Depois lemos no v. 5 da verdadeira razão disto: foi por causa das nossas transgressões e nossas iniquidades, visando nossa paz e nossa cura espiritual.

Por fim, no v. 6 chegamos ao começo de tudo: foi Deus quem “fez cair sobre Ele a iniquidade de nós todos”! O plano consumado no Calvário teve origem no coração de Deus!

Pensemos um pouco sobre o v. 5 e as quatro palavras que descrevem Seus sofrimentos.
  • Ferido — literalmente, “traspassado, perfurado”. Lembramos dos cravos nas mãos e nos pés, da lança perfurando Seu lado, e da coroa de espinhos na Sua cabeça. Nem podemos começar a imaginar a dor provocada por cada uma dessas feridas.
  • Moído — literalmente, “massacrado, quebrado”, como um vaso de barro jogado ao chão e transformado em cacos. Sabemos que, fisicamente, nenhum dos Seus ossos foi quebrado (Jo 19:36), mas não temos como avaliar o quanto Ele foi massacrado debaixo do peso do pecado ali na cruz. “Como água Me derramei … o Meu coração é como cera, derreteu-se no meio das Minhas entranhas. A Minha força se secou como um caco, e a língua se Me pega ao paladar; e Me puseste no pó da morte” (22:14-15).
  • Castigo — literalmente, “disciplina”. Ah, como entender isto? Aguém que nunca transgrediu foi disciplinado! Os açoites, diz Provérbios (19:29), são para as costas do tolo — mas aquele Homem sábio, prudente e obediente disse: “Os lavradores araram sobre as Minhas costas; compridos fizeram os seus sulcos” (Sl 129:3)! Ao contemplarmos nosso Senhor sendo castigado, sabemos que a vara era para as nossas costas — era o castigo que nos traz a paz!
  • Pisadura literalmente, uma marca deixada na pele por agressões físicas; uma ferida com ausência de sangue, um vergão. Está no singular no hebraico. Assim como o primeiro dístico começou enfatizando seus sofrimentos físicos (“ferido”), depois os espirituais (“moído”), assim também aqui (“castigo” e “pisadura”). Uma palavra, no singular, resume a obra do Calvário na sua totalidade. O profeta predisse que a espada do Senhor seria levantada e feriria ao Pastor (Zc 13:7). Uma vez só ela foi levantada, uma vez só ela feriu o Pastor — mas aquela única pisadura nos cura de todos os efeitos do pecado!
Setecentos anos antes da morte do Senhor Jesus, Isaías descreve perfeitamente Sua condição ao ser removido da cruz. Tendo sido moído na Sua alma, sofrendo no Seu íntimo aquela pisadura intensa, Seu corpo também manifestava externamente um pouco do que Ele suportou, pelas feridas e pelo castigo que recebeu.

Pensando nestas coisas, precisamos distinguir entre os sofrimentos que antecederam o sacrifício do Senhor na cruz, e o próprio sacrifício. O VT nos ajuda a entender esta diferença quando fala da escolha do animal a ser sacrificado e outros detalhes da sua preparação, e depois o sacrifício em si. Toda a preparação seria inútil sem o sacrifício — mas um sacrifício sem preparação adequada não seria aceito!

Assim também em relação ao sacrifício do Senhor. Sabemos que nossa culpa não foi expiada pela Sua encarnação, Seu batismo e tentação, nem pela Sua agonia no Getsêmani e Seus sofrimentos nas mãos dos judeus e dos romanos. Foram Seus sofrimentos na Cruz que trataram diretamente do problema do pecado. Mas sabemos que tudo que transcorreu desde a manjedoura até ao Monte das Oliveiras, quando Ele voltou ao Céu, foi necessário para esta obra da salvação.

Podemos ir mais longe: mesmo percebendo que há uma grande diferença entre as três primeiras horas na cruz e as três horas de trevas, jamais pensaríamos que somente as três horas de trevas bastariam para a nossa salvação! Temos que tirar as sandálias dos pés (Êx 3:5), deixar a tampa encima da Arca (I Sm 6:19), e confessar que não temos o direito de ficar dividindo aquilo que é indivisível, nem tentar explicar aquilo que não podemos compreender. Afirmamos com convicção: “Cristo morreu por nós” (Rm 5:8); Ele “Se deu a Si mesmo por nossos pecados” (Gl 1:4); mas confessamos que nossa culpa é muito maior do que entendemos, e Sua provisão é muito mais profunda do que imaginamos.

Assim, ao pensar sobre estas descrições do Senhor, reconhecemos que nem todos os sofrimentos dele foram expiatórios — mas paramos aí. Deus, na Sua justiça, sabe que a culpa do nosso pecado foi completamente expiada; Ele sabe tudo que aconteceu, e as razões para cada um dos sofrimentos do Seu Filho. Nós apenas olhamos para a obra como um todo, e dizemos: foi por minha causa, foi para a minha salvação!

E, prostrados, adoramos!

Adendo 

Esta terceira estrofe do Cântico é a parte que corresponde ao terceiro livro do Pentateuco, Levítico. Por exemplo, aqui vemos ilustrados os cinco sacrifícios mencionados em Levítico caps. 1 a 5:
  • Holocausto — a característica principal que distinguia o holocausto das demais ofertas é que ele era oferecido voluntariamente e totalmente a Deus, um sinal de devoção voluntária. O v. 4 ilustra isto, mostrando-nos Cristo voluntariamente tomando sobre Si os nossos sofrimentos e as nossas dores.
  • Oferta de Manjares — a principal característica desta oferta é que ela era sem sangue (nenhum animal era morto). No final do v. 5 lemos da “pisadura” que nos sara — como já vimos, a palavra indica o vergão sem sangue deixado por uma agressão.
  • Oferta Pacífica — esta oferta prefigurava a comunhão que podemos ter com Deus através do sacrifício de Cristo, e somos lembrados disto quando lemos que “o castigo que nos traz a paz estava sobre Ele”.
  • Oferta pelo Pecado e Oferta pela Culpa — estas duas ofertas eram diferentes das primeiras três. Não eram de cheiro suave, eram queimadas fora do arraial, e eram especificamente por causa do pecado. A diferença entre elas parece ser que a primeira era por causa daquilo que eu sou, enquanto a segunda era por causa daquilo que eu fiz. O v. 5 começa falando das nossas “transgressões” (desobediência deliberada; aquilo que eu fiz), depois fala das nossas “iniquidades” (a natureza perversa do erro; aquilo que eu sou), sugerindo estes dois aspectos do pecado.
Somos lembrados, assim, que o único sacrifício de Cristo, voluntário e completo como o Holocausto, resolveu todos os problemas relacionados ao pecado (como a Oferta pelo Pecado e a Oferta pela Culpa), e ainda me trouxe paz com Deus (como a Oferta Pacífica) pelo sangue derramado de um Cordeiro sem defeito e sem mancha (a vida perfeita do Senhor vista na Oferta de Manjares). Tudo que a Lei exigia foi satisfeito neste único sacrifício.

“Temos sido santificados pela oblação do corpo de Jesus Cristo, feita uma vez. E assim todo o sacerdote aparece cada dia, ministrando e oferecendo muitas vezes os mesmos sacrifícios, que nunca podem tirar os pecados; mas este, havendo oferecido para sempre um único sacrifício pelos pecados, está assentado à destra de Deus … porque com uma só oblação aperfeiçoou para sempre os que são santificados” (Hb 10:10-14).

Todo o ritual do VT foi cumprido em único sacrifício — nada mais é necessário! 


© 2020 W. J. Watterson

No comments:

Post a Comment

Dois detalhes sobre Isaías 53

Isaías 53 contém o quarto Cântico do Servo (que inclui os últimos três versículos do cap. 52). Qual seria o centro deste Cântico?