Wednesday 9 September 2020

Meditações na quarentena (142 a 154)

Setembro

Desde o dia 21 de Março de 2020 a igreja local em Pirassununga esteve impossibilitada de reunir publicamente, devido à quarentena decretada no estado de São Paulo. Durante este período tenho enviado aos irmãos e irmãs da igreja local pequenas mensagens de texto para nosso ânimo mútuo. Postarei estas mensagens abaixo — talvez ajudem mais alguém.

[Atualização em 16/08] Em Junho voltamos a reunir (apenas duas reuniões por semana, com muitas restrições). Precisamos para novamente em Julho, e reiniciamos logo depois. Menos de metade da igreja está podendo reunir, por isso as Meditações continuam, enquanto Deus permitir que esta situação permaneça.
 

Terça-feira, 01/09/2020

A cruz — Meditações 142

Meditar sobre a cruz do Senhor Jesus Cristo nos enche de admiração. John Bunyan (“O Peregrino”) descreve a chegada de Cristão ao pé da cruz assim:

Até aqui caminhei sob o peso do pecado,
E nada fazia minha angústia cessar!
Até que cheguei aqui — que lugar é esse!
É aqui que começa meu sublime gozo?
É aqui que deixo o fardo que me encurva?
É aqui que se soltam suas amarraduras?
Bendita cruz! Bendito sepulcro!
Mais bendito Aquele
Que aqui Se humilhou por mim!

Realmente, a cruz é bendita por causa de quem ali morreu.

Diz a História que Tito crucificou milhares de judeus durante os quatro meses que cercou Jerusalém (no auge do cerco, eram quinhentas crucificações por dia) — você sabe o nome de alguma dessa pobres vítimas?

Alguém mais, ao ser crucificado, fez o Sol do meio-dia se esconder por três horas?

Alguém mais provocou um elogio sincero no comandante romano responsável pela sua crucificação? “E o centurião, que estava defronte dEle, vendo que assim clamando expirara, disse: Verdadeiramente este homem era o Filho de Deus” (Mc 15:39).

Alguém mais foi retirado da cruz pelas mãos carinhosas de duas autoridades judaicas (José de Arimateia e Nicodemos) e colocado reverentemente num sepulcro novo?

Alguém mais escolheu a cruz, e controlou a hora da sua morte nela?

Como disse Cristão: “Que lugar é esse!” Concordamos com Paulo: “Longe esteja de mim gloriar-me, a não ser na cruz de nosso Senhor Jesus Cristo” (Gl 6:14).


Quarta-feira, 02/09/2020

O Senhor reina — Meditações 143

Somente três Salmos (todos pequenos) começam com esta expressão:

Poder — O Salmo 93 começa assim: “O Senhor reina; está vestido de majestade. O Senhor se revestiu e cingiu de poder”, e seus cinco versículos exaltam a grandeza daquele que “é mais poderoso que o ruído das grandes águas”.

Alegria — O Salmo 97 inicia com a mesma expressão: “O Senhor reina; regozije-se a Terra; alegrem-se as muitas ilhas”. Seus doze versículos mostram que aqueles que temem este grande Deus tem motivos de sobra para se alegrarem nEle. O Salmo termina dizendo: “A luz semeia-se para o justo, e a alegria para os retos de coração. Alegrai-vos, ó justos, no Senhor, e dai louvores à memória da Sua santidade”.

Juízo — Finalmente temos o Salmo 99: “O Senhor reina; tremam os povos. Ele está assentado entre os querubins; comova-se a Terra”. Seus nove versículos enfatizam a justiça deste grande e santo Deus.

O Senhor reina! Grandioso em poder (Sl 93), Ele traz bênçãos e alegrias eternas aos Seus (Sl 97), e juízo e justiça contra os incrédulos (Sl 99). Era assim nos dias de Davi, e continua assim até hoje!

Descansemos nesta verdade. Tudo ao redor parece um caos terrível — mas o Senhor reina!


Quinta-feira, 03/09/2020

O Senhor reina (Sl 93) — Meditações 144

Este é o primeiro de oito Salmos (93 a 100) que os judeus aplicam ao Messias (sem admitirem que esse Messias já veio e foi crucificado por eles!). Como é precioso ver a forma como Ele é descrito aqui — não simplesmente: “O Senhor é Rei”, mas: “O Senhor reina!”

Alguém pergunta: “Não dá na mesma?” Não. O mundo conheceu muito “reis fantoches” — sentaram no trono, usaram a coroa e o cetro, mas não tiveram autoridade nenhuma, sendo manipulados por alguém que agia nos bastidores. Nosso Senhor, porém, é Rei — e reina de fato! Neste Salmo vemos Seu domínio em três esferas: no mundo (v. 1-2; o sistema); nos povos (vs. 3-4); e na Sua casa (v. 5). 

Ele reina no mundo (v. 1-2) — Neste ambiente conturbado em que vivemos, o Senhor reina! Ele vestiu-Se de majestade e vestiu-Se de poder (repare que não diz “majestosamente” e “poderosamente” — não é que Suas vestes são majestosas e poderosas, mas que Suas vestes são Majestade e Poder!), e como resultado disto “o mundo está firmado e não poderá vacilar”. A palavra traduzida “firmado” é a mesma usada do trono de Deus no v. 2. Se fosse possível fazer o trono eterno de Deus vacilar, seria possível fazer o mundo vacilar — mas ambos são impossíveis, pois o Senhor reina!

Mas então, como entender a presente situação? Aqui na Terra sentimos que estamos no meio de uma panela fervendo — estaríamos abandonados à nossa própria sorte? Certamente que não! Cremos que há alguém controlando o fogo, para que o tempo de cozimento seja perfeito — nem cru, nem queimado, mas no ponto certo! Como foi em tantas outras épocas de crise no passado, assim é agora: o Senhor continua reinando! Quando soldados amarraram o Senhor Jesus e no dia seguinte O pregaram numa cruz, parecia que o mundo estava de cabeça para baixo. Imagine a aflição e confusão que tomou conta dos discípulos naquele final de semana! Mas pouco tempo depois um deles (não sabemos quem) expressou a convicção da igreja em Jerusalém ao dizer: “… se ajuntaram não só Herodes, mas Pôncio Pilatos, com os gentios e os povos de Israel, para fazerem tudo que a Tua mão e o Teu conselho tinham anteriormente determinado que se havia de fazer” (veja Atos 4:27-28). Foi tudo controlado por Deus, e foi tudo perfeito!

O Senhor reina! Isso não faz todos os nossos medos desaparecerem num passe de mágica, mas faz que nossos temores não governem nossa vida. Tenho medo dos rumos políticos que o mundo toma, e das reações que isto provoca nos salvos; mas sei que, quando estivermos na presença de Deus, perceberemos a forma tão perfeita como Ele reinou no mundo neste ano de 2020. Como uma criança que ainda não perdeu o medo de tomar injeção mas já entende que aquilo será benéfico, seguimos resolutos até a farmácia, e nossa confiança no resultado final nos faz superar o medo da injeção.

O Senhor reina — confiemos mais nEle hoje, e sempre!


Sexta-feira, 04/09/2020

Só um — Meditações 145

Muitas vezes lamentamos que ninguém faz nada, e que a apatia tomou conta de todos. Nos sentimos com Elias: “Os filhos de Israel deixaram a Tua aliança ... e só eu fiquei” (I Rs 19:10). Mas esquecemos que Deus pode fazer proezas com um homem (ou mulher ou criança).

Golias gritou: “Hoje desafio as companhias de Israel: Dai-me um homem, para que ambos pelejemos” (I Sm 17:10) — e um menino com uma funda foi usado por Deus naquele dia!

O rei Jeosafá e Acabe falavam sobre “um homem por quem podemos consultar ao Senhor” (II Cr 18:7), e Micaías fielmente transmitiu a palavra de Deus.

Mas que triste ouvir o Senhor descrevendo uma busca sem sucesso: “E busquei dentre eles um homem que estivesse tapando o muro, e estivesse na brecha perante Mim por esta terra, para que Eu não a destruísse; porém a ninguém achei” (Ez 22:30). Um só bastaria — mas não houve ninguém!

Se vejo alguma necessidade no serviço de Deus hoje, talvez minha primeira reação seria reclamar que ninguém se preocupa; ninguém faz nada. Mas por que eu não faço algo para resolver o problema? “Mas eu não tenho dom pra isso”; “Eu até faria, mas não tenho tempo!”; “É, eu estou disposto a fazer, mas ninguém me pediu ajuda!”

São desculpas esfarrapadas! A verdade triste é que, se Deus chamasse para assumir um trono, a fila de candidatos seria imensa — mas quem quer “ficar na brecha”, “tampar um buraco”, “quebrar um galho”? 

Um homem para guerrear; um homem para instruir; um homem para estar na brecha ... Que possamos responder como Isaías: “Eis-me aqui, Senhor; envia-me a mim!” (Is 6:8).


Sábado, 05/09/2020

Três madeiros — Meditações 146

Li algo alguns dias atrás que nunca tinha percebido — entre as milhares de mortes registradas no pequeno livro de Ester, somente três vítimas tiveram seus nomes registrados na Bíblia: Bigtã, Teres e Hamã. Os três foram “enforcados”, como dizem as versões em Português — provavelmente um tipo de crucificação (veja nota no final). Dois deles (Bigtã e Teres; 2:21-23) mereceram sua morte — ou, como disse um dos malfeitores no Calvário, receberam o castigo que seus atos mereceram. O terceiro madeiro é mais interessante. Foi preparado para um homem inocente, o judeu Mardoqueu (5:14); mas Deus interferiu na história, tirando o sono do rei (6:1) e fazendo justiça — quem acabou pendurado no terceiro madeiro foi “o opressor, o inimigo, este mal Hamã” (7:6-10).

A semelhança (e os contrastes) com o Calvário são impressionantes. Lá também foram levantados três madeiros. Dois dos homens que ali morreram receberam o castigo que seus atos mereceram; mas o terceiro …

Ah, o Terceiro! Quantos contrastes entre Ele e Mardoqueu!

Se Mardoqueu era inocente naquela situação específica, Jesus Cristo era inocente em todos os sentidos da palavra! Em Ester o justo foi poupado e o injusto sofreu, mas no Calvário o Justo sofreu para salvar os injustos (I Pe 3:18). “Àquele que não conheceu pecado, Deus O fez pecado por nós, para que nEle fôssemos feitos justiça de Deus” (II Co 5:21).

Se Mardoqueu significa “pequeno homem” (Dicionário Hebraico de Strong), Jesus Cristo é o maior Homem que já viveu! Alguns soldados que foram prendê-lO certa vez voltaram de mãos vazias, dizendo: “Jamais alguém falou como este Homem” (Jo 7:46); o centurião romano que comandou a Sua crucificação confessou depois, maravilhado: “Verdadeiramente este Homem era o Filho de Deus” (Mc 15:39).

Outro contraste: se o rei perdeu o sono e assim livrou Mardoqueu, Pilatos e Herodes parece que dormiram bem aquela noite. Não é que Deus estava indiferente — lembre como a primeira-dama, esposa de Pilatos, mandou um recado para ele? “Não entres na questão deste Justo, porque num sonho muito sofri por causa dEle” (Mt 27:19). O sonho indica que Deus estava atento aos acontecimentos — o sonho dado à esposa, e não a quem (supostamente) tinha autoridade para impedir a crucificação, mostra que Deus não iria mudar a história.

Mas alguém diz: “Não! No Calvário Deus mudou sim a história! A cruz central do Calvário deveria ter sido de Barrabás, não de Cristo!” Não temos certeza se Barrabás havia sido separado para ser crucificado, ou se estava apenas preso — mas não podemos negar que os quatro Evangelhos deixam bem claro que Barrabás foi liberado para que Cristo morresse. Novamente o contraste é impressionante: em Ester o justo escapou e o verdadeiramente culpado morreu — no Calvário o Santo e o Justo morreu, e um homicida escapou! (At 3:14) Em Ester, justiça foi feita — no Calvário vemos a maior injustiça já cometida por autoridades humanas!

Mas eis o centro de tudo — não só do assunto desta pequena meditação, mas o centro de toda a vontade revelada de Deus: a “injustiça” do Calvário é realmente o maior triunfo da justiça de Deus! Paulo diz em Romanos 1:17 que no Evangelho “se descobre a justiça de Deus”, e logo depois afirma que Deus apresentou Seu Filho como propiciação lá no Calvário “para demonstrar a Sua justiça” (3:25). Aquele “um só ato de justiça” (Rm 5:18) trouxe a vida eterna a milhões e milhões de pecadores!

Quando olhamos para a cruz com os olhos naturais, podemos cantar:

Injusta cruz, injusta cruz,
    Na qual sofreu meu Salvador.
Injusta cruz, injusta cruz,
    Pois era eu o transgressor.
    Foi minha a pena que sofreu;
    Foi meu o cálix que bebeu.
Injusta cruz, injusta cruz,
    Jesus sofreu em meu lugar!

Mas quando compreendemos os propósitos de Deus em Cristo executados lá no Calvário; quando vemos os frutos de justiça que brotaram daquele solo sagrado; quando entendemos que Cristo foi feito pecado por nós “para que nós fôssemos feitos justiça de Deus” — então nosso louvor é:

Gloriosa cruz, gloriosa cruz,
    Na qual Jesus venceu o mal.
Gloriosa cruz, gloriosa cruz,
    Ressoa o hino triunfal!
    Jesus venceu e reinará,
    A cruz de horror vazia está!
Gloriosa cruz, gloriosa cruz,
    Triunfa a graça sobre o mal!

Três madeiros em Ester que nos lembram, pelos contrastes e semelhanças, dos três madeiros no Calvário. Em Ester Deus reverteu um ato de injustiça — no Calvário, “por um só ato de justiça veio a graça sobre todos os homens para a justificação da vida” (Rm 5:18).

Louvado seja Deus por Seus grandes feitos na cruz!

Nota: A palavra traduzida “enforcar” em Ester quer dizer, literalmente, “pendurar”. Keil & Delitzsch e outros afirmam que nos dias do império Persa, tais pessoas seriam empaladas num madeiro, algo bem semelhante à crucificação praticada pelos romanos. Lembre também da profecia de Deuteronômio (que usa a mesma palavra usada em Ester) e é citada em Gálatas 3:13: “Cristo nos resgatou da maldição da Lei fazendo-Se maldição por nós; porque está escrito: Maldito todo aquele que for pendurado no madeiro”.


Domingo, 06/09/2020

Introdução ao quarto Cântico — Meditações 147

O quarto Cântico do Servo (Isaías 52:13 a 53:12) é o ponto central da última parte de Isaías, e já foi chamado de “Santo dos Santos” deste livro. Contém cinco estrofes de três versículos cada uma, correspondendo aos cinco primeiros livros da Bíblia. Muitos cristãos conhecem de cor este trecho das Escrituras.

Bem no centro deste Cântico (veja nota no final) temos destacada a verdade da morte substitutiva de Cristo, onde o Servo é comparado a um Cordeiro: “Ele foi oprimido e afligido, mas não abriu a Sua boca; como um cordeiro foi levado ao matadouro, e como a ovelha muda perante os Seus tosquiadores, Ele não abriu a Sua boca”.

Você já percebeu como é frequente esta figura do Cordeiro nas Escrituras? Gênesis fala muito de um cordeiro substituindo um indivíduo (Abel, Isaque, etc.); Êxodo amplia a figura e apresenta um cordeiro para uma família (12:3); a partir de Levítico (o Dia da Expiação, cap. 16:5) a figura é ampliada: um cordeiro para a nação de Israel; mas é no NT que vemos a imensidão da provisão vista nesta figura: “Eis o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo” (Jo 1:29).

O Cordeiro é o centro da revelação divina. É o título mais usado do Senhor Jesus Cristo no Apocalipse: ocorre 28 vezes — mais do que o nome “Jesus”, mais do que “Cristo”, mais do que “Senhor”. Nisto vemos um daqueles contrastes tão interessantes que a Bíblia costuma apresentar: para enfrentar o Dragão (que é como Satanás é apresentado em Apocalipse), Deus apresenta, não o Leão da tribo de Judá, mas o Cordeiro! Deus usa um símbolo de aparente fraqueza e submissão para mostrar a Sua superioridade absoluta sobre todos que se opõem a Ele.

Hoje é o dia da semana em que nosso Senhor ressuscitou. Que possamos curvar nossas cabeça e corações na presença de Deus, e cantar:

Sofredor que ali penou,
Vencedor que triunfou,
Salvador que nos amou:
Honras sejam ao Cordeiro!

Digno és Tu, Senhor, que a Ti
Demos nosso culto aqui,
Como os Teus, nos Céus ali:
Honras sejam ao Cordeiro!
(H. e C. 532)

Quem se interessar por alguns detalhes pode ler as duas notas a seguir. 

Nota: o centro do quarto Cântico. Isaías tem 66 capítulos (assim como a Bíblia tem 66 livros), que se dividem em 39 na primeira parte e 27 na segunda (assim como o VT tem 39 livros e o NT 27 livros). Os últimos 27 capítulos de Isaías são formados por 27 poemas, divididos em três partes menores (cada uma com 9 poemas). Este quarto Cântico do Servo é o décimo quarto poema desta segunda parte de Isaías. Ou seja, ele está exatamente no centro dos 27 poemas desta parte final de Isaías. É o centro da parte de Isaías que corresponde ao NT.

Se este Cântico é o centro desta parte de Isaías, qual seria o centro do Cântico? Devido à riqueza dos detalhes das Escrituras, há pelo menos três formas diferentes de respondermos esta pergunta:

a) Centro estrutural — Percebendo que o Cântico possui cinco estrofes, podemos considerar a terceira delas (5:4 a 6, com ênfase no v. 5) como o centro estrutural deste Cântico: “Ele foi ferido pelas nossas transgressões, e moído por causa das nossas iniquidades; o castigo que nos traz a paz estava sobre Ele, e pelas Suas pisaduras fomos sarados”. Parte deste versículo está num quadro atrás do púlpito do salão da igreja aqui — e que verdade preciosa. É realmente digna de estar no centro deste Cântico! 

b) Centro mediano — As estrofes vão aumentando de tamanho conforme avançamos no Cântico. Se contarmos os versos (linhas no poema) do Cântico de forma corrida, veremos que o verso central está no final do v. 6: “O Senhor fez cair sobre Ele a iniquidade de nós todos” (vinte e nove versos antes deste, vinte e nove depois). É a mesma verdade vista acima, mas agora com ênfase não no Filho que sofreu, mas no Deus que O fez sofrer!

c) Centro doutrinário — Também podemos destacar o centro doutrinário deste Cântico. Se contarmos as expressões que falam sobre o caráter vicário dos sofrimentos do Servo (uma verdade que não havia sido revelada dos primeiros três Cânticos), encontraremos sete afirmações com esta característica até o final do v. 6, e mais sete a partir do v. 8. E bem no meio desses dois grupos de sete, temos o v. 7: “Como um cordeiro foi levado ao matadouro”.

Assim, temos este testemunho triplo do valor dos sofrimentos de Cristo no Calvário. Analisando a estrutura do Cântico, vemos por que Ele sofreu (foi pelas nossas transgressões); procurando o meio do Cântico, vemos por quem Ele sofreu (por ordem de Deus); e estudando a doutrina do Cântico, vemos como Ele sofreu: como um Cordeiro!

Nota 2: Circula uma informação hoje em dia que tem um fundo de verdade, mas que é apresentada de forma distorcida. Alguns afirmam que, nas leituras semanais feitas nas sinagogas, Isaías 53 é “O Capítulo Proibido”, e que os judeus hoje leem até o v. 12 do capítulo 52, e depois pulam para o capítulo 54, evitando este capítulo por sua apresentação tão clara do Senhor Jesus como o Messias.

É verdade que este quarto Cântico do Servo não é lido nas leituras públicas deles — mas também é verdade que não lêem publicamente grande parte do livro de Isaías. Apenas vinte e dois dos sessenta e seis capítulos de Isaías (1/3) estão incluídos nestas leituras, e nem todos são lidos integralmente (os outros três Cânticos do Servo, que também falam claramente de Cristo, são lidos). O que acontece é que o Pentateuco todo é lido uma vez por ano, uma porção por sábado, e junto com a leitura semanal de parte do Pentateuco é lida também uma porção dos Profetas. Esta porção profética, segundo os judeus, foi escolhida para combinar com a leitura semanal do Pentateuco.

Não tenho dúvidas que este Cântico é uma das profecias mais claras sobre o Messias, e que seria difícil para os judeus lê-lO sem lembrar de Jesus de Nazaré. Por isso, sem dúvida alguma, deveria ser incômodo para eles ler publicamente esta parte das Escrituras nas suas sinagogas. Mas não é verdade que esta parte, e apenas esta, é omitida por eles. Quando cristãos afirmam isto, dão margem aos judeus para desprezarem o Cristianismo como sendo uma mera religião de fanáticos ignorantes, que criticam os costumes dos judeus sem conhecê-los [veja http://www.jewfaq.org/readings.htm]. É um fato histórico, porém, que antigamente os judeus aplicavam esta profecia ao Messias, mas que depois da encarnação e da morte do Senhor Jesus foram mudando sua interpretação das Escrituras, e passaram a aceitar como messiânicas apenas as profecias que descrevem a glória futura do Messias. Hoje em dia, aplicam Isaías 53 a Israel. 


Segunda-feira, 07/09/2020

Inspiração (i) — Meditações 148

Há quase dois mil anos atrás, no finalzinho da quinta-feira dia 13 de Nisan (o primeiro mês judaico), quando o Sol estava quase se pondo e a brisa já indicava que a noite seria fria (João 18:18), alguns membros do Sinédrio saíram de Jerusalém, atravessaram o ribeiro de Cedrom, e dirigiram-se a um campo cheio de cevada pronta para ser colhida. Esse campo era cultivado especificamente para ser usado na cerimônia da Festa das Primícias (Lv 23:10-11). Os homens escolheram alguns dos melhores ramos de cevada e, sem cortá-los, amarram-nos com uma fita vermelha — ramos escolhidos para serem cortados depois da Páscoa. Depois voltaram para Jerusalém.

Poucas horas depois o Senhor Jesus, acompanhado de onze dos Seus discípulos, saiu de Jerusalém pelo mesmo caminho (Jo 18:1) até chegar no jardim chamado Getsêmani.

Logo depois deles, um terceiro grupo percorreu o mesmo caminho, guiados por Judas — estavam perseguindo o Senhor para O prenderem. Chegaram no Getsêmani, amarraram o Senhor Jesus (Jo 18:12) e O conduziram, amarrado, de volta para Jerusalém.

Quando passaram pelo campo onde os feixes de cevada haviam sido amarrados poucas horas antes, certamente ninguém percebeu o sinal que estava bem diante dos seus olhos. Os ramos de cevada amarrados haviam sido escolhidos pelos judeus para serem apresentados perante Deus no domingo de manhã, na festa das Primícias — aquele Homem sendo conduzido amarrado para Jerusalém era o escolhido por Deus para ser apresentado a Si mesmo!

Pouco antes do Sol se por no Sábado (isto é, pouco antes de começar o domingo dia 16, o Dia das Primícias), uma multidão atravessou mais uma vez o ribeiro Cedrom, acompanhando os enviados do Sinédrio. Foram ao mesmo campo onde estiveram na quinta-feira, e quando o Sol se pôs (isto é, logo no início do domingo) cortaram os ramos que haviam sido previamente escolhidos. Estes ramos passariam a noite no Templo.

Logo no início do domingo o Senhor saiu do sepulcro, vitorioso sobre a morte. A grande pedra permaneceu no lugar, e os soldados permaneceram do lado de fora — guardando um sepulcro vazio!

Antes do Sol raiar naquele domingo houve um terremoto, e um anjo revolveu a pedra da boca do sepulcro — não para deixar o Senhor sair, mas para mostrar a todos que o sepulcro já estava vazio.

Por volta das 09h00 da manhã naquele domingo, multidões chegavam no Templo para a cerimônia da Festa das Primícias. Os Levitas entoavam naquela ocasião o Salmo 30, um Salmo que fala da glória da ressurreição; o sacerdote apresentava o molho das Primícias perante o Senhor (figura da ressurreição de Cristo) e os Levitas cantavam: “Senhor, fizeste subir a minha alma da sepultura”. E enquanto todo este ritual representando a ressurreição era celebrado no Templo mais uma vez (como fora feito há mais de 1.500 anos), Maria Madalena e suas companheiras voltavam do sepulcro, e a notícia corria pelas ruas de Jerusalém: “O Senhor ressuscitou! O Senhor ressuscitou” Provavelmente nesta hora aqueles “santos que dormiam”, cujos sepulcros foram abertos quando o Senhor morreu (Mt 27:52-53) “entraram na cidade santa e apareceram a muitos.”

Que sinal impressionante para o povo duro e incrédulo de Jerusalém! Que sincronia perfeita entre a figura revelada em Levítico cap. 23 e seu cumprimento, tantos séculos depois!

Louvemos a Deus pela perfeição da Sua palavra.


Terça-feira, 08/09/2020

Dor de dente — Meditações 149

Durante uma pregação, um conhecido de B. Carradine contou uma história sobre seu neto, chamado João. O menino tinha cerca de 4 anos de idade, e certa noite uma dor de dente o incomodava muito. A família estava reunida na sala, mas ninguém conseguia consolar o pequeno João. Ele foi de colo em colo, sem encontrar alívio. O pai o colocou nos ombros, a mãe o aconchegou nos braços, a irmã o abraçou carinhosamente, o irmão tentou distraí-lo com caretas, o avô tentou contar uma história ... mas o menino estava irrequieto, e não durava mais do que alguns minutos no colo de alguém.

Fazendo uma pausa, e com um leve sorriso, o pregador concluiu: “Irmãos, o problema não estava nos colos, mas no dente do meu netinho! E é com muita tristeza que vemos cristãos agindo assim. Ninguém consegue agradá-los. Colocam a culpa pelo seu descontentamento nos seus irmãos ou nas suas circunstâncias, quando a verdadeira explicação para suas críticas e reclamações está na sua própria condição interna! Deus tem uma grande família, mas alguns desta família estão enfermos. Eles culpam os outros, quando a culpa é do seu próprio dente dolorido!”

Que Deus me ajude a ser mais exigente comigo mesmo, e mais compassivo com os outros!


Quarta-feira, 09/09/2020

Convicção — Meditações 150

T. E. Wilson (que serviu ao Senhor na Angola e visitou o Brasil anos atrás; faleceu em 1996), pregando certa vez no enterro de uma irmã nos EUA, contou algo da história dela que mostrou a firmeza das suas convicções.

Após crer no Senhor Jesus, a mulher, ainda jovem, resolveu pedir para ser batizada e recebida na comunhão da igreja local. Ao contar sua decisão para seu pai, ele disse: “Você é maior de idade, e eu não posso te proibir. Mas se você fizer isto, não será mais bem-vinda nesta casa.”

A pobre moça ficou arrasada. Mas durante a próxima reunião um irmão visitante leu o Salmo 27, enfatizando o desejo do Salmista de “morar na casa do Senhor todos os dias da minha vida” (v. 4). O v. 10 foi como uma mensagem diretamente para ela: “Quando meu pai e minha mãe me desampararem, o Senhor me recolherá”.

Ela foi batizada, e renegada pela família. Sofreu terrivelmente, mas foi um exemplo de firmeza e convicção entre o povo de Deus durante longos anos!

Alma aflita, ninguém te compreende? Até teu pai e tua mãe (o caso mais extremo possível) te desampararam? Certamente teu fardo é pesado — mas você não o carrega sozinho! O Senhor te recolherá, e Ele é fiel até ao fim! “Espera no Senhor, anima-te, e Ele fortalecerá o teu coração; espera, pois, no Senhor” (Sl 27:14).


Quinta-feira, 10/09/2020

Co-herdeiros — Meditações 151

Um juiz, salvo pela graça de Deus, estava à beira da morte. Conversando com um irmão em Cristo, ele perguntou: “Irmão, você entende o termo jurídico ‘copropriedade pro-indiviso’?”

“Confesso que não”, foi a resposta; “Conheço muito pouco das leis do nosso país”.

“Bem”, disse o juiz, “Se nós dois fôssemos coproprietários de uma fazenda, eu não poderia lhe dizer: ‘Aquele pasto é seu, e este é meu; aquela folha daquela árvore é sua, esta outra é minha’. Eu não poderia dizer isto, porque pela lei de copropriedade pro-indiviso tudo naquela fazenda — cada pasto, cada animal, cada construção, cada folha, cada grão de poeira — tudo seria igualmente seu e igualmente meu!”

E com um sorriso nos lábios, o juiz concluiu: “Eu estava deitado aqui pensando sobre o fato de Deus dizer em Romanos 8:17 que eu sou verdadeiramente herdeiro de Deus e co-herdeiro de Cristo. Ah, irmão, que bênção indizível, que graça derramada sobre um pobre pecador como eu! Cristo e eu somos co-herdeiros — meu Salvador irá repartir comigo, durante toda a eternidade, todas as coisas! Já pensou nisto?”

Que glória será nossa na eternidade! Meditemos hoje nos versículos abaixo, e que Deus nos anime na nossa jornada.

“Pai, aqueles que Me deste quero que, onde Eu estiver, também eles estejam comigo, para que vejam a Minha glória que Me deste; porque Tu Me amaste antes da fundação do mundo” (Jo 17:24); “Mas, como está escrito: as coisas que o olho não viu, e o ouvido não ouviu, e não subiram ao coração do homem, são as que Deus preparou para os que O amam” (I Co 2:9); “Ao que vencer lhe concederei que se assente comigo no Meu trono; assim como Eu venci, e Me assentei com Meu Pai no Seu trono” (Ap 3:21); “Quem vencer, herdará todas as coisas; e Eu serei seu Deus, e ele será Meu filho” (Ap 21:7).


Sexta-feira, 11/09/2020

Tecnologia — Meditações 152

Li recentemente um artigo em Truth & Tidings (M Cain) que alerta para os perigos da Internet. A tecnologia por trás dela é extremamente útil para nossas vidas modernas — já imaginou viver sem comunicação digital (email, WhatsApp, etc.), e tantas outras coisas? Mas a mesma ferramenta que, bem usada, é tão útil, torna-se, nas mãos do inimigo, uma arma extremamente maligna.

E não estou pensando só na imoralidade que abunda na rede, mas até em coisas aparentemente inocentes — mas nem por isso, inofensivas!

Pense, por exemplo, no estudo das Escrituras. Uma geração atrás, comprávamos livros bem recomendados por irmãos mais experientes, e esses livros nos ajudavam nos estudos — hoje, temos uma gama enorme de recursos na Internet, em vídeos e livros digitais. Mas nem sempre atentamos para a fonte destes recursos, e nem sempre temos o cuidado de filtrar o que lemos (algo que se aplica a qualquer leitura, sendo a Bíblia a única excessão). O autor do artigo afirma: “A ideia de pesquisar no google algum assunto sobre a Bíblia e aceitar como correto o que surgir nos resultados da busca é absurdo!” Se há tantos avisos nas Escrituras sobre falsos ensinadores (I Tm 4:1-2; II Pe 2:1, etc.), como podemos aceitar ensino de pessoas cujo caráter, motivação e testemunho não conhecemos?

Outro perigo é simplesmente ocupar tempo demais com estas coisas. A oferta de conteúdo é tão abundante, que é possível passar o dia inteiro assistindo coisas que não são proveitosas. Precisamos relaxar, sem dúvida alguma — mas não convém nos entregarmos sem reservas à diversão! A maratona, com seus 42,2 km, tornou-se símbolo de um esforço quase sobre-humano, exagerado — e quando o mundo adapta a expressão “maratona” para descrever o ato de assistir conteúdo digital, parece que perdemos a noção de equilíbrio!

Repito: todos nós precisamos relaxar e dar um descanso para o corpo e a mente — mas tudo precisa ter limites. Quanto tempo desperdiçamos diariamente? Será que estamos “remindo o tempo”? (Ef 5:16 e Cl 4:5). Será que conseguiríamos passar um dia fazendo um “jejum digital”? Ou será que o descanso tornou-se nossa principal ocupação?

Não sei como é sua experiência nesta área (e não vou contar como é a minha), mas creio que todos nós devemos pensar sobre isto na presença de Deus. “Todas as coisas me são lícitas, mas nem todas as coisas convêm. Todas as coisas me são lícitas, mas eu não me deixarei dominar por nenhuma” (I Co 6:12). Continuemos melhorando cada dia, sempre atentos contra as astutas ciladas do inimigo das nossas almas, e sempre orando uns pelos outros. Amém!


Sábado, 12/09/2020

Um Homem longânimo — Meditações 153

A primeira flor no buquê do amor (I Co 13:4) é: “o amor é sofredor”. A palavra grega usada aqui (makrothumeo) quer dizer, literalmente, “ira distante” — sinônimos em português seriam “paciente” ou “longânimo”. Isto é, quando não é correspondido, o verdadeiro amor não fica irado, mas continua amando. Quer um exemplo? Deus diz a Israel: “Tu te prostituíste com muitos amantes; mas ainda assim, torna para Mim, diz o Senhor” (Jr 3:1). Quantas vezes nós, na nossa fraqueza e rebeldia, já fomos objeto do “ainda assim” de Deus!

Durante Sua vida aqui, o Senhor Jesus manifestou longanimidade vez após vez. Seus inimigos O criticavam, o povo não entendia Sua mensagem, os discípulos duvidavam dEle — mas Ele continuava amando a todos. A rebeldia de Jerusalém não provocou nEle ira, mas pena! Ele chorou ao pensar no juízo que a cidade receberia (Lc 19:41), e exclamou: “Quantas vezes quis Eu ajuntar os teus filhos, como a galinha os seus pintos, e não quiseste” (Lc 13:34).

Mas um dos exemplos mais impressionantes da longanimidade do Senhor foi visto depois da Sua ressurreição. Paulo se descreve como o principal dos pecadores, “blasfemo, e perseguidor, e injurioso” (I Tm 1:13), alguém que imaginava “que contra o nome de Jesus Nazareno devia praticar muitos atos” (At 26:9). Mas até mesmo Saulo de Tarso, esse perseguidor ferrenho e cruel, foi alvo do amor do Senhor Jesus! Em I Timóteo 1:16 Paulo usa a mesma palavra que estamos considerando: “Por isso alcancei misericórdia, para que em mim, que sou o principal, Jesus Cristo mostrasse toda a Sua longanimidade [makrothumia], para exemplo dos que haviam de crer nEle para a vida eterna”.

Toda a longanimidade do Senhor foi vista na conversão de Paulo — e isto exigiu longanimidade por parte dos salvos daquela época também! Ele disse que lançou “muitos dos santos na prisão, e quando os matavam eu dava o meu voto contra eles. E castigando-os muitas vezes … os obriguei a blasfemar” (At 26:10-11). Já imaginou como deve ter sido difícil para aqueles que haviam sentido na pele a ira da perseguição de Paulo, e agora sentavam com ele em redor dos emblemas para participar da Ceia? Esposas que perderam maridos, mães que perderam filhos … quem poderia ter um amor sofredor num caso desses a não ser um filho de Deus? Quando Paulo se converteu e Deus chamou Ananias para ajudá-lo, este servo disse: “Senhor, de muitos ouvi acerca deste homem, quantos males tem feito aos teus santos em Jerusalém”. Mas assim que Deus deixou claro que Paulo agora era salvo, Ananias obedeceu, e chegando lá, cumprimentou Paulo assim: “Irmão Saulo …” Se Deus recebera Saulo de Tarso, Ananias também iria recebê-lo!

Que sejamos longânimos como é longânimo o nosso Senhor, e nunca deixemos de amar a todos. Afinal, o Senhor Jesus não desistiu de mim, e eu também não devo desistir dos outros.


Domingo, 13/09/2020

Desfigurado — Meditações 154

A primeira estrofe do último Cântico do Servo está em Isaías 52:13-15. Entre muitas coisas preciosas sobre nosso Senhor que estes versos apresentam, destaco algo que pode parecer, à primeira vista, um erro gramatical — na realidade, é uma forma comovente e terna de chamar nossa atenção aos sofrimentos do Servo!

Refiro-me à mudança repentina nos pronomes no terceiro verso. Na estrofe toda Deus está falando com o povo acerca do Seu Servo — por isso, os pronomes estão na terceira pessoa (“Seu”, “Sua”, etc.). Mas no terceiro verso, quando imaginamos que será dito: “Como pasmaram muitos à vista dEle” (como está nas traduções em português, que infelizmente tentaram “corrigir”), Deus realmente diz: “Como pasmaram muitos à Tua vista!” E imediatamente volta a falar do “Seu parecer” (e não “Teu parecer”).

Veja a estrofe toda:

Eis que o Meu Servo procederá com prudência;
Será exaltado, e elevado, e mui sublime.
Como pasmaram muitos à Tua vista
(O Seu parecer estava mais desfigurado do que o de outro qualquer, 
E a Sua figura mais do que a dos outros filhos dos homens),
Assim borrifará muitas nações,
E os reis fecharão as suas bocas por causa dEle;
Porque aquilo que não lhes foi anunciado verão,
E aquilo que eles não ouviram entenderão.

Quem estuda a poesia hebraica afirma que este recurso era usado pelos seus poetas para chamar atenção a algo. Quando o leitor percebe a mudança repentina e inesperada nos pronomes, ele é levado a parar na leitura e meditar no que acabou de ler. Assim aquele verso fica em destaque.

E qual a importância deste verso “diferente” no contexto da estrofe? No total, temos três assuntos apresentados:
  1. A prudência do Servo — exaltação única (v. 13);
  2. O padecimento do Servo — humilhação única (v. 14);
  3. A preeminência do Servo — proclamação única (v. 15).
A estrofe começa (v. 13) e termina (v. 15) com uma descrição das perfeições do Servo, e entre estes dois picos de montanha temos o vale da Sua humilhação (v. 14) — e que vale foi esse! Esse Servo prudente foi desfigurado mais do que outro qualquer! A glória dos dois picos que o cercam (vs. 13 e 15) realçam ainda mais a profundidade do vale.

Mas ainda é pouco — Deus quer chamar nossa atenção de forma mais intensa a este vale — então Ele muda a gramática!

É como se Deus estivesse em pé falando ao povo acerca do Messias, e Cristo ao Seu lado. “Eis que o Meu Servo procederá com prudência”, Ele diz, olhando para o povo e apontando para o Servo. Mas de repente, quando vai descrever os sofrimentos dEle, Deus faz uma pausa, olha com ternura e amor (e por que não dizer, admiração?) ao Seu Servo, e diz: “Como pasmaram muitos à Tua vista!” De uma forma direta e pessoal, Deus mostra que não está apresentando uma profecia qualquer acerca de algum rei qualquer! Não foi qualquer pessoa que assim sofreu, foste Tu mesmo!

Creio que este aspecto tão desfigurado do Servo, “mais do que o de outro qualquer”, e “mais do que os filhos dos homens” (como se Ele nem parecesse homem mais) só pode ter sido cumprido ao final das três horas de trevas. Certamente Ele sofreu muito nas mãos dos homens, mas seriam sofrimentos semelhantes ao que outros sofreram. Mas como avaliar o resultado daquelas horas de trevas? Talvez temos aqui uma das poucas passagens da Bíblia que nos dá alguma informação sobre o peso do nosso pecado: quando acabaram as três horas de trevas e a luz voltou, os homens viram o Senhor morto na Cruz — mas tão desfigurado, mais do que qualquer pessoa já vista pelos homens! Abriram a boca em espanto, pasmos diante da evidência de tanto sofrimento!

Com corações quebrantados, adoramos ao Salvador que pagou este “preço amargo” da nossa redenção! 


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Dois detalhes sobre Isaías 53

Isaías 53 contém o quarto Cântico do Servo (que inclui os últimos três versículos do cap. 52). Qual seria o centro deste Cântico?