Thursday 15 October 2020

Conversando com Maria (b) — Meditações 186

Desde o dia 21 de Março de 2020 a igreja local em Pirassununga esteve impossibilitada de reunir normalmente, devido à quarentena decretada no estado de São Paulo. Hoje já podemos reunir (com restrições) — estamos gratos por isso, mas não é o ideal. Durante este período tenho enviado aos irmãos e irmãs da igreja local pequenas mensagens de texto para nosso ânimo mútuo. Estas mensagens estão sendo arquivadas aqui — talvez ajudem mais alguém.

Quinta-feira, 15/10/2020

Conversando com Maria (b) — Meditações 186

Quase quinze dias atrás propus um diálogo fictício entre um casal recém-convertido e Maria. Abaixo, a conclusão daquele diálogo.

Ao retornarmos de Belém, ao sul, para Jerusalém, já bem tarde da noite, poderíamos ter a belíssima visão da Lua, à nossa direita, iluminando a entrada do Templo no outro lado da cidade. O majestoso Templo iluminado pela Lua seria uma visão impressionante, que poderia fazer Maria parar um pouco. Apontando para o Templo, quem sabe ela diria:

“Eu me lembro como se fosse hoje o dia que José e eu O encontramos assentado ali com os mestres e doutores [Lc 2:41-52]. Ele tinha só doze anos de idade … Eu sei que Ele é eterno, mas Ele parecia pequeno, dependente, e pra mim ainda era uma criança, sabe? José e eu estávamos apavorados, achando que talvez algo de ruim pudesse ter acontecido com Ele. E de repente nós O vimos ali, calmamente conversando sobre as Escrituras, impressionando a todos com a Sua inteligência e respostas! Eu senti um alívio enorme por encontrá-lO bem e seguro, e acabei falando sem pensar — mas ao invés de corrigi-lO, foi Ele quem me corrigiu!”

Virando rapidamente para nós, preocupada com o efeito de suas palavras, ela talvez diria: “Não que Ele foi rude ou desrespeitoso — Ele nunca era! Ele sempre usava as palavras certas, com a entonação certa, na hora certa — era impressionante. E Ele só tinha doze anos …”

A voz dela talvez ficasse mais baixa, e sentiríamos como se ela estivesse de volta àquele Templo, contemplando uma Criança manifestando a perfeição da divindade! Só doze anos — mas nEle estavam escondidos todos os tesouros eternos da sabedoria e do conhecimento (Cl 2:3)!

Tendo já ouvido de outros a história registrada por Lucas, não perguntaríamos mais detalhes. Esperaríamos até que ela continuasse: “Durante muito tempo eu fiquei pensando naquele dia, e na calma e compostura dEle — só doze anos, mas mostrando estar em absoluto controle das Suas emoções! Ele não sentiu nenhum medo por ter ficado três dias sozinho numa cidade estranha. Nunca perguntei para Ele, mas fiquei pensando onde Ele dormiu aqueles três dias, onde — e o que — comeu, e tantas outras coisas que só uma mãe pensaria em perguntar!”

Virando-se para nós com os olhos brilhando, ela talvez diria: “Ali no Templo eu vi, com clareza inigualável, que meu Filho era meu Senhor! Ali eu vi, não só de forma teórica, mas com os meus olhos, que Ele era Deus. Eu sempre soube, mas ali ficou claro como o dia — Ele nunca dependeu de mim, mas eu sempre dependi dEle!”

Olhando novamente para Jerusalém, e apontando para um lugar escuro um pouco afastado do Templo, mas na mesma elevação conhecida como Monte Moriá, talvez ela dissesse, abaixando a voz: “E tão perto dali é o Calvário …”

Ela falaria com voz tão baixa que quase não ouviríamos. E, de forma precipitada, talvez disséssemos: “Conte-nos mais sobre o Calvário, Maria! Ah, irmã, eu queria saber cada detalhe sobre aquelas horas tão terríveis! A irmã esteve lá — conte-nos como foi!”

Imagino que ela balançaria lentamente a cabeça, seu olhar misturando compaixão e tristeza. “Não, meus irmãos; não tenho nada a acrescentar ao que já foi escrito pelos servos de Deus nos evangelhos”.

Talvez ela se sentasse sobre uma pedra à beira do caminho, e tentasse se explicar: “Algumas semanas atrás eu entendi porque não falo disso com ninguém. Pedro estava lendo, numa reunião, sobre o amor de Jacó por Raquel, e como os quatorze anos que trabalhou por ela pareceram poucos dias pelo muito que a amava [Gn 29:20, 30]. Mas apesar de tanto amor, quando Raquel morreu, Jacó não levantou nenhuma coluna em memória dela! Ele levantou colunas em memória de outros acontecimentos — por que não ergueu uma coluna para Raquel? De repente entendi: a morte dela foi uma ferida profunda demais para ser simbolizada por uma coluna!”

Olhando para nós novamente, os olhos marejados, mas serenos, quem sabe ela diria: “A primeira vez que fomos no Templo com Ele — Ele tinha só quarenta dias — o velho Simeão disse que algum dia uma espada traspassaria a minha alma. E lá no Calvário eu senti …”

Ela talvez respirasse fundo, lutando para controlar suas emoções. “… eu senti, e vi, coisas profundas demais, dolorosas demais, e sagradas demais para serem repetidas. Eu tenho medo de falar com leviandade sobre algo que não entendo completamente — tenho medo de desonrar uma memória sagrada! Amo demais meu Salvador, e não sou digna de descrever o que vi lá no Calvário.”

Talvez uma nuvem escondesse a Lua naquela hora. As trevas (ou talvez o frio) causariam um certo arrepio em nós. E Maria talvez dissesse: “Deus cobriu a pior parte daquelas horas com densas trevas, e não é certo tentar penetrar nestas trevas. Ele revelou aos Seus servos algumas coisas nos evangelhos, e eu guardo em meu coração muitas outras — mas não consigo, e não devo, falar sobre a dor do meu Deus!”

Só conseguiríamos dizer: “Obrigado, Maria. O seu silêncio foi muito mais eloquente do que qualquer coisa que a irmã poderia ter dito. Obrigado — muito obrigado!”

Moisés entendeu que as coisas reveladas são para nós e os nossos filhos, mas as coisas encobertas pertencem ao Senhor nosso Deus (Dt 29:29). As trevas do Calvário não foram à toa!

[Os diálogos acima são todos, obviamente, ficção, mas as descrições dos locais são baseadas nos dados históricos existentes.]


© 2020 W. J. Watterson

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