Domingo, 18/10/2020
Expiação da alma — Meditações 189
A última estrofe do último Cântico do Servo (Is 53:10-12) tem, em cada um de seus três versículos, uma menção à alma do Senhor (são as únicas três ocorrências desta palavra no Cântico):
i) “Quando a Sua alma Se puser por expiação do pecado” (v. 10);
ii) “Ele verá o fruto do trabalho da Sua alma” (v. 11);
iii) “Derramou a Sua alma na morte” (v. 12).
Expiação da alma (53:10)
“Agradou ao Senhor moê-lO!” Como é difícil medir o peso destas palavras! É claro que isto não quer dizer que Deus sentiu algum prazer sádico em ver Seu Filho sofrer. O que está expresso aqui é algo profundo, porém belo: que o plano de salvação não foi simplesmente uma medida drástica tomada por falta de opção, mas foi um plano que perfeitamente agradou e glorificou a Deus.
Em estrutura de quiasma, os seis versos do versículo destacam isto:
i) O primeiro e o sexto versos falam do prazer do Senhor — “Todavia, ao Senhor agradou [chapets] moê-lO … E o bom prazer [chapets] do Senhor prosperará na Sua mão.”
ii) O segundo e o quinto versos apresentam um contraste — “Fazendo-O enfermar … Prolongará os Seus dias.” Apesar dos sofrimentos, não seria o fim.
iii) Os dois versos centrais são o coração do versículo: “Quando a Sua alma Se puser por expiação do pecado, Verá a Sua posteridade”. Quando morrer, Ele verá aqueles que comprou! Como? Isaías não explica isto, mas a única solução possível para este contraste está implícita: Ele irá ressuscitar!
A mensagem do versículo é preciosa: o Servo perfeito de Jeová será oferecido no altar pelos nossos pecados, mas ressuscitará. O Senhor será o responsável por fazê-lO sofrer, e o mesmo Senhor continuará abençoando-O depois da ressurreição.
Mas, por quê? O que poderia levar o Senhor a fazê-lO sofrer e colocá-lO sobre o altar — Ele, que sempre agradou ao Senhor? E se isso acontecesse, o que poderia levar este mesmo Senhor a ressuscitá-lO depois?
A resposta é repetida no começo e no final do versículo, destacando-a: é o prazer do Senhor! O início do versículo é explicado no final. Por que agradou ao Senhor moê-lO? Porque a morte não seria o fim, e através daquele sacrifício grandes coisas seriam feitas. O prazer do Senhor prosperará na mão deste Servo., perfeito até na morte!
Confesso que é difícil avaliar plenamente isto. Não quero, de forma alguma, diminuir um milímetro da opinião que qualquer leitor possa ter da intensidade dos horrores do Calvário. Para o Deus triúno, o Calvário certamente foi muito mais doloroso do que imaginamos. O profeta disse: “Considerai e vede se há dor como a Minha” (Lm 1:12). Este Cântico mesmo já tem destacado a intensidade única dos sofrimentos do Servo: expressões como “mais do que o de outro qualquer” (52:14) e “o mais rejeitado entre os homens” (53:3) indicam isto.
Ao mesmo tempo, porém, não devemos imaginar que alguma das Pessoas da Trindade aproximou-Se da cruz contrariada, com aquela atitude resignada que diz (escrevo com reverência): “Bom, já que não tem outro jeito, vamos lá!” A cruz não era um “mal necessário” — algo que precisava ser feito, mas que depois, envergonhados, tentamos esquecer. A cruz é a obra-prima do Deus triúno, gloriosa nos seus efeitos e gloriosa na sua essência. “Longe esteja de mim gloriar-me a não ser na cruz de nosso Senhor Jesus Cristo” (Gl 6:14). Ela é o grande tema de louvor dos redimidos:
i) Gloriosa no seu planejamento. Ela é apresentada como havendo sido planejada desde os tempos eternos — I Pe 1:20 diz que o Cordeiro foi conhecido ainda antes da fundação do mundo. Antes de fundar o mundo, Deus já conhecia Seu Filho como o Cordeiro que morreria por mim!
ii) Gloriosa no seu cumprimento. O seu cumprimento é apresentado como o ponto central da História humana. Veja as expressões que a Bíblia usa para falar da ocasião da morte do Senhor: “Mas agora, na consumação dos séculos …” (Hb 9:26); “Mas, vindo a plenitude dos tempos …” (Gl 4:4).
iii) Gloriosa nos seus resultados. A eficácia da obra redentora do Calvário é inquestionável. Vez após vez as Escrituras enfatizam que a cruz nunca precisará, nem poderá, ser repetida. Hebreus 9:26 afirma que com aquele único sacrifício o Senhor aniquilou o pecado; no cap. 10 lemos: “Mas este, havendo oferecido um único sacrifício pelos pecados, está assentado à destra de Deus”; e logo abaixo: “Porque com uma só oblação aperfeiçoou para sempre os que são santificados”.
“Sim, eu amo a mensagem da cruz”, dizia o hino antigo. O horror no coração do Servo ao contemplar a Cruz no jardim do Getsêmani foi real e profundo — ao mesmo tempo, porém, havia a consciência de que Ele estava fazendo aquilo que Ele e Seu Pai haviam escolhido fazer desde a eternidade passada, e que traria tanto prazer a Deus. “Agradou ao Senhor moê-lO … aquilo que agrada ao Senhor prosperará na Sua mão.”
Louvemos a Deus por esta gloriosa cruz!
Adendo à Meditação 189
Quem tiver tempo pode comparar as três palavras usadas para descrever os sofrimentos do Servo neste versículo (“Moê-lo … enfermar … expiação do pecado”), e compará-las com as três descrições da Sua vitória (“verá a Sua posteridade, prolongará os Seus dias … prosperará”).
É interessante que lemos da Sua alma sendo oferecida, não Seu corpo — enfatizando que aquilo que trouxe prazer a Deus foi muito mais do que simplesmente o sangue derramado e o corpo entregue. O aspecto físico era necessário, mas houve algo sublime neste sacrifício, ausente na multidão de sacrifícios do VT: a vítima ofereceu-Se voluntariamente! O Servo perfeito não foi conduzido à uma morte que não entendia (como os cordeiros em Israel) ou que não antecipava (como Isaque em Moriá) — a Sua alma sabia de tudo que Seu corpo sofreria!
Que preço amargo, ó meu Senhor,
Pagaste em meu favor;
Teu Filho amado, singular,
Deitaste sobre o altar.
© 2020 W. J. Watterson
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